As Testemunhas de Jeová no México - Sociedade "Cultural"?
"Não podíamos conter as lágrimas de alegria!"....."Quando a carta foi lida na congregação, aplausos espontâneos interromperam a leitura duas vezes. Foi emocionante!"
Estas comoventes palavras floream um artigo na edição de 1 de Janeiro de 1990 da revista A Sentinela - publicada pelas Testemunhas de Jeová - sob o título "Fervorosos de Espírito no México". Qual seria a razão para tamanho júbilo? Que portentoso evento teria proporcionado "lágrimas de alegria" aos membros da Sociedade Torre de Vigia naquele país latino-americano?
O próprio artigo responde por relatar que, a partir de 1989, as Testemunhas de Jeová no México, pela primeira vez, passaram a ter o direito de usar a Bíblia em sua obra de pregação e de iniciar suas reuniões com cântico de louvor e oração. Para aqueles familiarizados com esta comunidade religiosa - especialmente nos países democráticos - soa bastante estranho que seus membros, em alguma época ou lugar, tenham aberto mão destas coisas tão inexoravelmente ligadas à atividade cristã. De fato, para uma Testemunha de Jeová que jamais tenha visitado o México, tal coisa simplesmente seria inconcebível - como o seria para qualquer cristão imaginar seus irmãos de fé privados daquilo que é a própria essência do cristianismo, a saber, o uso das Escrituras Sagradas, as canções de louvor e, principalmente, as orações. Somente sob a tirania da antiga Roma - onde cristãos eram lançados como alimento para leões nas arenas - ou sob regimes totalitários como o comunismo, na extinta URSS e nações satélites, o fascismo, na Itália, ou o nazismo, na Alemanha, é que o mundo assistiu - horrorizado - à privação dos direitos fundamentais da pessoa humana, dentre eles, a liberdade de religião. Era este o caso do México até 1989? Vejamos:
Uma edição posterior da revista Despertai!, datada de 22 de Julho de 1994, págs. 12-14, comenta mais detalhadamente esta questão, fazendo uma narrativa superficial sobre a história da constituição mexicana e suas modificações no que tange à atividade religiosa no país. A revista relata que, com a conquista, por parte da Espanha, da região que agora corresponde ao México, a constituição de 1812 (Cádiz) declarava o Catolicismo como religião oficial do Estado. Posteriormente, em 1824, a recém-criada constituição do México proibia qualquer outra religião.
O artigo prossegue relatando que, em 1857, introduziu-se no país o que se convencionou chamar "Leis da Reforma", a qual visava a "nacionalização dos bens imóveis de propriedade da Igreja" - uma forma de aumentar o poder do Estado e, ao mesmo tempo, limitar o poder eclesiástico. Tais medidas poderiam ser entendidas mediante um simples exame no contexto histórico-político do México, o qual revela uma forte conexão entre Igreja e Estado. Assim, em 1859, promulgou-se a Lei de Nacionalização dos Bens Eclesiásticos. Todavia, em 1860, a Lei sobre Liberdade de Cultos, restabeleceu, conforme seu próprio nome, o direito ao culto, muito embora, em nível institucional, não se concedesse registro legal às religiões.
O autor do artigo também salienta que, a despeito das medidas restritivas impostas à Igreja Católica, as quais, por extensão, atingiam as demais religiões, o governo, por assim dizer, fazia "vista grossa" à proliferação de novos credos pelo país. Como exemplo, o movimento Protestante norte-americano beneficiou-se da maior tolerância das leis e empreendeu uma grande campanha de evangelização no México. Todavia, a partir de 1917, iniciou-se nova fase de intolerância contra a comunidade católica, a qual culminaria com a guerra dos cristeros, iniciada em 1926 e debelada tres anos depois. Após o conflito, seguiu-se um novo período de tolerância religiosa no país, do qual diversas entidades religiosas se beneficiaram, inclusive as Testemunhas de Jeová. De fato, já havia membros dessa denominação no México desde o princípio do século 20. Contudo, só em 1930 a Associação Internacional dos Estudantes da Bíblia (antigo nome das Testemunhas de Jeová) logrou êxito em obter a permissão do governo para existir no país, tendo, em 1932, modificado seu nome para La Torre del Vigía.
Assim sendo, a própria publicação da Sociedade Torre de Vigia enfatiza que havia liberdade de culto no México e que sua existência no país não era clandestina, mas contava com a anuência das autoridades. Todavia, em 1943 - diz o artigo -, "devido a leis que limitavam as atividades religiosas no país, uma nova entidade foi registrada como associação civil". De fato, de acordo com um registro de 10 de junho de 1943, a Secretaria de Relações Exteriores do México autoriza o registro de La Torre del Vigía como "Associação Civil Fundada para a Divulgação Científica, Educadora e Cultural Não Lucrativa". Queira o leitor reler com atenção a declaração acima e perceber que o redator do artigo de A Sentinela não diz que as leis "proibíam", mas "limitavam as atividades religiosas". Que limitações seriam estas? E, acima de tudo, quais as consequências de tais medidas adotadas pela Sociedade Torre de Vigia sobre o seu vasto contingente de fiéis no México?
O livro Proclamadores (pág. 466) - produzido pela Sociedade Torre de Vigia - menciona de forma lacônica o fato de que "no México, as Testemunhas de Jeová executavam sua obra em conformidade com as leis que regiam as organizações culturais locais". A própria escola missionária da instituição chamava-se Escola Cultural de Gileade. Lamentavelmente, os relatos feitos nesta, como nas outras duas publicações mencionadas anteriormente, deixam lacunas, cujo preenchimento seria vital para uma compreensão mais clara de uma situação anômala que perdurou por cerca de 50 anos naquele país, com o desconhecimento da ampla maioria das Testemunhas de Jeová em outras regiões do globo.
Já que o fator restritivo ao qual se referem as publicações das Testemunhas de Jeová são as leis mexicanas, um exame nos artigos da constituição do país - no concernente às atividades religiosas - ajudar-nos-ia a ter uma visão lúcida do que, de fato, se passou por lá. Os relatos anteriores deixam, no leitor menos informado, a nítida impressão de que a constituição do México tolhia a liberdade de religião, de modo que a Sociedade Torre de Vigia não tinha outra opção, senão registrar-se como entidade civil "cultural". Mas, era este o caso?
O que você, leitor, verá agora são trechos da Constituição do México (promulgada em 1917 e anterior às emendas de 1989), conforme se encontra publicada na obra História das Américas (1954), págs. 90 e 91 , da autoria de Ricardo Levene - Gráfica Editora Brasileira. O destaque será dado aos artigos 24 e 27, os quais tratam, respectivamente, da liberdade de religião e da propriedade de bens por parte das entidades religiosas e civis. Vejamos o que diz o artigo 24:
ART. 24. - Todo homem é livre de professar a crença religiosa que mais lhe agradar e de praticar as cerimônias, devoções ou atos do culto respectivo, nos templos ou em seu domicílio particular, sempre que não constituam delito ou falta puníveis pela Lei. |
Conforme se vê, o texto é bastante claro no sentido de que havia plena liberdade de culto no México. Naquela que é a carta magna do país - contra a qual nenhuma lei pode se opor - não se vê qualquer indício de intolerância ou proscrição à atividade das Testemunhas de Jeová ou de qualquer outra religião em território mexicano. Neste caso, é natural perguntar - se não fora a repressão à liberdade de culto o que motivou o registro da Sociedade Torre de Vigia com entidade "cultural", o que ocasionara tal mudança? Um exame no artigo 27, parágrafo II, poderá lançar uma luz sobre o assunto. Vamos a ele:
II. - As associações religiosas denominadas igrejas, seja qual for o seu credo, não poderão em caso algum ter capacidade para adquirir, possuir ou administrar bens de raiz, nem capitais invertidos neles; os que tiverem atualmente, por si ou por pessoa intermediária, passarão para o domínio da Nação, concedendo-se ação popular para denunciar os bens que se acharem em tal caso. A prova de presunções será bastante para se proceder à denúncia. Os templos destinados ao culto público são de propriedade da Nação, representada pelo Governo Federal, que determinará os que devem continuar destinados ao seu objetivo. Os bispados, as cúrias, os seminários, os asilos, os colégios, de associações religiosas, os conventos ou qualquer outro edifício que houver sido construído ou destinado à administração, propaganda ou ensino de um culto religioso, passarão desde logo de pleno direito ao domínio direto da Nação, para que se destinem exclusivamente aos serviços públicos da Federação, ou dos Estados, em suas respectivas jurisdições. Os templos que no futuro se erigirem para o culto público serão de propriedade da Nação. |
O texto acima aparentemente esclarece aquilo que a Sociedade Torre de Vigia chama de "limitações à atividade religiosa", a saber, restrições, não ao exercício do culto, mas à POSSE E CONTROLE DE BENS E CAPITAIS. Conforme se lê no artigo, as entidades religiosas não poderiam "adquirir, possuir ou administrar bens de raiz, nem capitais invertidos neles", sendo que todo o patrimônio estaria sob posse e controle do Estado, exclusivamente. Isto significaria que todo investimento feito pela entidade das Testemunhas de Jeová - ou por qualquer outra religião - em território mexicano deveria ser transferido ao Estado, não havendo, portanto, qualquer perspectiva de retorno financeiro. Na prática, isto significaria uma coisa - prejuízo material. Todos os complexos, tais como gráficas, salões de assembléia, prédios de filial e outros bens corresponderiam a investimentos de fundo perdido. Fica claro, pois, que a restrição imposta pelas leis do México era de ordem meramente patrimonial. Neste caso, que vantagem haveria em um registro da Sociedade Torre de Vigia como entidade cultural? O parágrafo III do mesmo artigo esclarece:
III. - As instituições de beneficência pública ou privada, que tiverem por finalidade o auxílio aos necessitados, a investigação científica, a difusão do ensino, o auxílio mútuo dos associados ou qualquer outra finalidade lícita, não poderão adquirir mais bens de raiz do que os indispensáveis para sua função, imediata ou diretamente destinados a ela; mas poderão adquirir, ter e administrar capitais invertidos a juros em bens de raiz, sempre que os prazos de inversão não excederem de dez anos. Em caso algum as instituições desta índole poderão ficar sob o patronato, a direção, a administração, a gerência ou a vigilância de corporações, ou instituições religiosas, nem de ministros dos cultos, nem de seus assimilados, embora estes ou aqueles não se encontrem em exercício. |
Este artigo concedia às instituições privadas não religiosas, tais como as entidades científicas e de ensino (ou culturais) o privilégio de possuir "bens de raiz" , desde que correspondessem ao indispensável para a prestação de seus serviços. Além disso, permitia-lhes "administrar capitais invertidos a juros em bens de raiz". Novamente, o artigo ressaltava que, de forma nenhuma, o controle de tais bens e capitais poderia ficar em mãos de "ministros de cultos ou corporações religiosas". Obviamente, esta última ressalva visava a evitar fraudes às quais as instituições religiosas pudessem recorrer para dar uma "fachada de legalidade" ao seu patrimônio.
Diante de tais evidências, parece lógico que tenha sido este - o parágrafo III do artigo 27 da constituição do México - o fator por trás da decisão da Sociedade Torre de Vigia de modificar seu status perante as autoridades daquele país por cerca de meio século. Percebe-se que seus dirigentes estavam bem assessorados juridicamente. Uma 'brecha' constitucional, por assim dizer, manteria a administração dos bens da organização em suas próprias mãos e, portanto, fora da interferência estatal. Todavia, se tal opção, por um lado, oferecia - não se pode negar - a vantagem da manutenção da posse e controle do patrimônio da entidade, por outro, impunha um pesadíssimo ônus à comunidade de Testemunhas de Jeová no país - a perda de sua identidade como ministros religiosos, gerando uma série de situações bizarras, se comparadas ao cotidiano dos fiéis em outras partes do mundo. Analisemos algumas delas.
Sociedade "Cultural" - Quais as consequências?
De acordo com o que se viu no início desta matéria, situações esdrúxulas, tais como o não uso da Bíblia na pregação e a inexistência de orações e cânticos às reuniões, fizeram parte do cotidiano das Testemunhas de Jeová no México por quase meio século. Se, conforme vimos, as leis mexicanas de forma nenhuma proibiam tais práticas, a que se devia tal estado de coisas, então? A resposta tem de ser: devia-se à própria política da Sociedade Torre de Vigia, no sentido de mudar seu registro no México para entidade "cultural", desde 1943. De fato, o exercício público daquelas práticas denunciaria claramente o cunho religioso da entidade perante as autoridades. A 'máscara' teria caído, ensejando, conforme rezava o parágrafo II do artigo 27, uma denúncia ao governo e, consequentemente, o confisco de todos os bens e investimentos da instituição, os quais passariam ao controle do Estado.
Há indícios de que as autoridades mexicanas tinham conhecimento de que o registro de 1943 era uma simulação, afinal a instituição já era bem conhecida no país como religião desde os anos 20. Entretanto, desde que ela se mantivesse dentro dos limites de uma organização cultural - ao menos na "aparência" - o governo provavelmente consentiria em que as coisas continuassem como estavam. Só que esta "aparência" teve seu preço - além do não uso da Bíblia, de cânticos de louvor e orações, as congregações chamavam-se "companhias", os Salões do Reino chamavam-se "Salões Culturais", as reuniões bíblicas também se chamavam "culturais" e, por fim, o batismo chamava-se "símbolo". Uma espécie de "jogo duplo" - uma religião finge que não é religião e o governo finge que acredita. Contudo, este simulacro não tardaria a trazer consequências mais graves, aquelas do tipo que põe em xeque a idoneidade de uma instituição. Vamos à mais notável delas - o caso das "cartillas", na década de 60.
Pelas leis do México, todo jovem em idade de alistamento militar deve comparecer a uma junta de serviço, onde recebe um certificado ou "cartilla", no qual acham-se espaços para anotação de seu comparecimento aos exercícios militares, pelo período mínimo de um ano. A posição das Testemunhas de Jeová, por décadas, tem sido a de recusar a prestação do serviço militar, bem como qualquer forma de apoio político ao Estado. Até mesmo o simples serviço alternativo - disponível em diversos países aos objetores de consciência - era vetado pela liderança da religião a seus membros, até a recente mudança no ano de 1996. Tal postura cobrou altíssimo tributo aos fiéis no mundo inteiro, na forma de encarceramentos, sanções políticas e até perseguição e pena capital. No país africano de Malauí, por exemplo, ondas de perseguição varreram as comunidades de Testemunhas de Jeová nas décadas de 60 e 70. Famílias inteiras foram massacradas, as mulheres estupradas e milhares tiveram de fugir para países vizinhos. Também, na República Dominicana, muitos jovens amargaram os melhores anos de suas vidas na prisão por terem se recusado à prestação do serviço militar obrigatório.
Paradoxalmente, por volta desta mesma época, as Testemunhas residentes no México - até mesmo 'servos ministeriais' ('diáconos'), 'anciãos' ('pastores') e 'superintendentes de circuito' - desembaraçavam-se facilmente de suas obrigações militares, sem correr risco algum. Como conseguiam isso? Simplesmente por seguir um velho costume local: pagar uma propina - vulgarmente conhecida como 'mordida' - a funcionários públicos para que emitissem "cartillas", nas quais constava que o jovem estava em dia com suas obrigações militares. Eis a foto de uma "cartilla":
Cartilla das Forças Armadas - Privilégio das TJ no México? |
Tratava-se, obviamente, de uma fraude e as autoridades mexicanas já haviam se pronunciado contra tal prática ilícita. Relatórios dando conta de tal prática entre as Testemunhas mexicanas já haviam sido enviados à sede central da Sociedade Torre de Vigia, em Brooklyn. Tendo conhecimento da aflição de seus concrentes na África, as Testemunhas mexicanas sentiram-se perturbadas em suas consciências com o seu aparente 'privilégio' em relação aos seus irmãos de fé malauis. Por fim, os responsáveis pela filial do México enviaram correspondência ao então presidente da Sociedade - Nathan Knorr - dando conta da embaraçosa situação prevalente naquele país e, ao mesmo tempo solicitando instruções quanto a que postura adotar em relação ao fato. Eis um cópia da correspondência (datada de 4/2/1960):
Tradução do segundo parágrafo - Uma outra coisa que tem de ser discutida aqui é a lei de marchar como parte do programa de treinamento militar. Depois de "marchar' por um ano, consegue-se a carteira provando que cumprimos com nosso ano de marcha e esta carteira é nosso documento básico para garantir-nos um passaporte, carteira de motorista e, de fato, muitas transações legais. Os irmãos compreendem a posição cristã de neutralidade com relação a tais assuntos, mas muitos irmãos fazem o pagamento em dinheiro a certos funcionários e eles põem em ordem sua carteira de marcha. É este procedimento honesto? Se um irmão realmente marchar, aplicamos a norma de que eles têm transigido e não os designaremos como servos ministeriais durante, pelo menos, tres anos. Mas, aqui, um irmão que provavelmente é servo ou servo de circuito, têm sua carteira de marcha, a qual usa de vez em quando em suas transações legais, mas sem ter marchado. O que é correto neste respeito? O costume entre os irmãos é e tem sido pagar por isto uma quantia em dinheiro e garantir sua carteira de marcha, e muitos deles estão servindo atualmente como servos de circuito ou servos de congregação. Estão eles representando uma farsa? Ou é simplesmente uma dessas coisas deste sistema fraudulento? Devemos deixar que passe ou deve ser feita alguma coisa quanto a isso? Existem tantas irregularidades neste país. O guarda o faz parar por alguma infração de trânsito e trabalha por sua "mordida" ou pequeno suborno de 40 centavos. Todos sabem que ele não tem o direito de fazer isso, mas lhe dão 5 pesos, de modo a escapar de ir à delegacia e ser multado em 50 pesos, perdendo muito tempo. É um hábito aqui, uma prática comum. Significa a carteira de marcha o mesmo? Seu conselho sobre isso será apreciado. Com vocês no serviço de Jeová, |
A resposta da Sociedade Torre de Vigia chegou em 2 de junho de 1960. Abaixo vê-se a cópia da página 2:
Tradução do segundo parágrafo - Com relação aos que são isentos do treinamento militar por meio de uma transação monetária com os funcionários envolvidos, isto é semelhante ao que é feito em outros países latino-americanos, nos quais os irmãos têm gratificado algum funcionário militar pela isenção, a fim de preservar sua liberdade para as atividades teocráticas. Se os membros da instituição militar estiverem dispostos a aceitar tal arranjo, com base no pagamento de uma gratificação, então isto é da responsabilidade destes representantes da organização nacional. Em tal situação, o dinheiro pago não vai para a instituição militar, mas fica de posse do indivíduo encarregado do arranjo. Se a consciência de certos irmãos lhes permite participar de tal arranjo em favor de sua contínua liberdade, não temos nenhuma objeção. Evidentemente, caso fiquem em dificuldades por causa de seu modo de agir, então terão de arcar eles mesmos com tais dificuldades, e nós não poderemos prestar-lhes nenhuma assistência. Mas se o arranjo é comum aí e é aceito pelos fiscais, os quais não fazem nenhuma investigação sobre a veracidade do assunto, então o problema pode ser ignorado por suas vantagens de crescimento. Caso surja uma emergência militar e sejam estes irmãos confrontados com sua carteira de marcha, serão obrigados a tomar uma decisão da qual não poderão safar-se por meio de pagamento em dinheiro, e a sua integridade será provada, tendo de demonstrar prontamente qual é a sua posição e provar que são a favor da neutralidade cristã em um teste decisivo. Lealmente ao seu dispor no ministério do Reino, |
Para aqueles que estão associados há muito tempo com as Testemunhas de Jeová, as declarações acima poderiam provir de qualquer instituição no mundo, MENOS DA SOCIEDADE TORRE DE VIGIA DE BÍBLIAS E TRATADOS. De fato, o linguajar ambíguo desta carta não consegue ocultar seu teor permissivo e indulgente para com uma prática prevista e definida em lei como CRIME - tipificado, no mínimo, em dois artigos do Código Penal: a) Corrupção ativa (a paga de propina); e b) Falsidade ideológica (o documento fraudulento). Com efeito, a gravidade do conteúdo desta correspondência provavelmente fará a Testemunha de Jeová supor - e desejar, até - que o documento aqui exposto não passe de uma falsificação! É uma reação compreensível, se considerarmos as implicações neste caso. Vejamos:
Na carta, a Sociedade furtivamente evita os termos "propina", "suborno" ou "fraude", preferindo eufemizá-los como "transação financeira", "gratificação" ou "arranjo". Além disso, menciona o fato de se tratar de uma prática "comum", como se isso atenuasse, de alguma forma, a culpabilidade da pessoa que assim procedesse. Adicionalmente, "lava as mãos" quanto à questão, isentando-se completamente da responsabilidade pelo delito e, ao mesmo tempo, negando auxílio àqueles que viessem a entrar em dificuldades em razão de uma atitude contra a qual afirma-se não haver objeção. O que é isso senão um endosso tácito de tal prática? É também digno de nota o motivo alegado para tal condescendência - vantagens de crescimento. E quanto à imagem da entidade perante Deus e os homens? Seria vantajoso 'crescer' em troca do abandono do alto padrão moral do cristianismo? Estas devem ter sido questões cruciais para aqueles na dianteira da instituição.
A questão do suborno para a aquisição das "cartillas" no México não parou por aí. Cerca de nove anos mais tarde, o assunto viria à baila novamente. Mais uma vez por iniciativa dos responsáveis pela filial mexicana, os quais enviaram nova correspondência a Brooklyn, mencionando a carta de 1960 e acrescentando o que, para eles, constituía um importante pormenor que não havia sido considerado na época. Uma vez o Corpo Governante tomasse conhecimento do ponto em questão, pensavam eles, talvez revisse seu parecer anterior e fornecesse novas instruções quanto a como lidar com esta embaraçosa questão. Uma cópia do trecho desta correspondência (datada de 27/8/1969) que trata do assunto pode ser vista abaixo:
Tradução dos trechos grifados - ...Ao fazermos uma revisão nos arquivos antigos, encontramos uma carta de 4 de fevereiro de 1960, no. 123, na qual se fez a pergunta quanto ao que fazer em vista dos muitos que estavam pagando uma quantia em dinheiro para receber o documento legal dado aos em idade de serviço militar. Entretanto, não foi mencionado na pergunta que, quando se recebe este documento, o recebedor é enquadrado como reservista de primeira classe, sujeito a ser convocado, caso venha a surgir eventualmente uma emergência da qual o exército da ativa não possa dar conta. Portanto, esta é a nossa pergunta: Muda isto a norma apresentada em sua carta de 2 de junho de 1960 (157), página 2, a qual responde nossa carta acima mencionada?....O que foi citado da sua carta é o que tem sido seguido, mas parece que haveria alguma modificação nisso quando se considera que estes irmãos são reservistas de primeira classe...Apreciaríamos muito contar com alguma informação de vocês sobre este assunto quanto a se se deve fazer uma mudança ou não...Caso seja feita uma mudança, qual será a situação dos que são reservistas de primeira classe? Como deverá isto ser tratado?. |
O ponto em questão agora era a condição dos beneficiados pelo suborno de funcionários públicos, já que as "cartillas" adulteradas que haviam recebido faziam deles "reservistas de primeira classe". Esta situação encontra um certo paralelo no BRASIL, onde alguns dos que hoje ocupam posição de destaque nas congregações das Testemunhas de Jeová, obtiveram documento de reservista burlando a lei por meio da mediação de algum conhecido "influente", escapando ao juramento à bandeira (ou 'fingindo' jurar) e recebendo o documento no qual consta que pertencem à reserva do exército, devendo apresentar-se imediatamente em caso de convocação. É público e notório que, se vier tal convocação, eles desertarão, incluindo-se neste rol aqueles que já possuíam tal documento por ocasião de sua conversão. Mas, enquanto ela não vem, usufruem as prerrogativas que o Estado concede a quem tem a carteira de reservista. Por outro lado, os fiéis que conscienciosamente não recorreram a esta manobra ilícita, receberam Atestados de Eximição do serviço militar e, por essa razão, foram cassados politicamente, assim se encontrando até o dia de hoje. É curioso observar estas duas categorias conviverem harmoniosamente como irmãos de fé, em face do nítido contraste entre a atitude conscienciosa de uma e a ação sorrateira da outra.
No caso do México, tornava-se evidente a preocupação dos membros da filial quanto a uma situação que lhes parecia, no mínimo, incoerente. Como se não bastasse a questão da propina em si, ainda remanescia o fato de que, assim procedendo, o jovem não era considerado um objetor de consciência e - querendo ou não - era contado oficialmente como um membro da maquina bélica do Estado. Qual seria o parecer da Sociedade Torre de Vigia desta vez? Vejamos.
Agora, você, leitor, tem a oportunidade de examinar uma cópia desta segunda correspondência de Brooklyn para a filial mexicana (datada de 5 de setembro de 1969):
Tradução - Temos em mãos a sua carta de 27 de agosto (182), na qual fazem uma pergunta sobre os irmãos que se alistaram no México e que agora são reservistas de primeira classe. A carta citada por vocês, de 4 de fevereiro de 1960 (123), abrange todo o assunto. Não há mais nada a dizer. A responsabilidade recairá sobre estes indivíduos quanto ao que pretendem fazer, no caso de serem alguma vez convocados, e é bastante cedo para se tomar qualquer atitude. No ínterim, estes irmãos que se alistaram e que pagaram uma taxa, estão livres para ir em frente com seu serviço. Não que estejamos dando a nossa aprovação sobre esse assunto, mas é a consciência deles, não a nossa, que lhes tem permitido seguir este modo de agir que adotaram. Se a consciência deles lhes permite fazer o que têm feito e se não estão transigindo de maneira alguma, então simplesmente deixem o assunto de lado.Não há motivo algum para vocês responderem quaisquer perguntas ou fazerem comentários às pessoas nem para se envolverem em uma discussão. Algum dia, talvez eles se defrontem com a questão e tenham de tomar uma decisão, como destaca a carta, cabendo a eles mesmos decidirem. Não podemos decidir pela vida de cada um no mundo. Se a consciência destas pessoas lhes permite fazer o que fazem e alistarem-se como reservistas, cabe a eles se preocuparem com isso, caso estejam preocupados. Não compete ao escritório da Sociedade preocupar-se com isso. A Sociedade tem sempre dito que as pessoas devem agir de acordo com a lei, e se o indivíduo tiver feito o que vocês descreveram em sua carta e se isso não fere a consciência dele, então deixemos o problema simplesmente como está. Não há nenhum motivo para decidirmos pela consciência de outro homem, nem para nos envolvermos em debate ou controvérsia sobre o assunto. Se os indivíduos não estiverem transigindo no sentido de portarem armas e se o que estão fazendo continua a lhes permitir que transformem suas espadas em podadeiras, então a decisão fica com eles. Caso venham a mudar essa posição em suas vidas, é bastante cedo para que os superintendentes na congregação adotem alguma medida. Portanto, deixem as coisas ficarem como estão e tem estado desde fevereiro de 1960, sem mais comentários. Que a rica bênção de Jeová esteja com vocês. Seus irmãos, |
O documento é claro. A Sociedade Torre de Vigia mantinha sua postura anterior mesmo ciente de que os jovens que se alistaram mediante o emprego de suborno e fraude, eram agora parte da primeira reserva do exército mexicano. Curiosamente, ela aqui acrescenta mais um termo ao vocabulário de eufemismos para "suborno", ou seja, "taxa". Com relação ao fator tempo, surge uma questão - se, conforme diz a carta, ainda era "bastante cedo" para agir, então quando seria a época apropriada? O fato é que tal protelação possibilitou que esta situação perdurasse no México por décadas no futuro e agora - não se poderia negar - com o conhecimento e a anuência explícita de Brooklyn.
A esta altura é natural perguntar: por que razão preferiu a sede central das Testemunhas de Jeová "não se envolver em debate" e "deixar as coisas como estão"? A resposta é óbvia: o registro que havia feito em 1943, como entidade CULTURAL, não religiosa. Caso fossem dadas instruções aos na dianteira da filial mexicana no sentido de condenar a prática comum do suborno para a obtenção das "cartillas", os jovens teriam que manifestar objeção de consciência ao serviço militar, o que automaticamente revelaria às autoridades do país o caráter religioso da entidade à qual pertenciam, resultando no confisco das propriedades e capitais da Sociedade Torre de Vigia no México, os quais passariam - por força de lei - ao controle do Estado. Vemos assim que, lamentavelmente, no esforço de manter o controle sobre os bens da organização, aqueles na dianteira da religião acabaram por criar, involuntariamente, uma cilada para seu rebanho e para si próprios. A estratégia - a qual, em algum momento parecia aceitável por seus benefícios - resultara em um grave dilema: se assumissem uma determinação resoluta em favor dos princípios bíblicos e contra o suborno e a fraude, perderiam o controle sobre seu patrimônio; se fossem coniventes, perderiam sua idoneidade moral. A Sociedade tentou ser neutra, como se isso fosse possível - deixando a responsabilidade recair sobre os ombros daqueles que estavam sob sua tutela espiritual e ansiosos por sua direção. Como se não fosse ela a guardiã moral de seu vasto contingente de fiéis no México e no resto do mundo. Como se não se esperasse dela o exemplo primordial de ética cristã nas mínimas coisas concernentes ao seu ministério mundial.
A Bíblia diz: "Quem é fiel no mínimo, é também fiel no muito, e quem é injusto no mínimo, é também injusto no muito." (Lucas 16: 10) Muito embora tais fatos tenham permanecido ocultos da esmagadora maioria das Testemunhas de Jeová em outros países até estes dias, é inevitável que dele resulte alguma mancha, ainda que "mínima", na reputação daquela que fornece a mais de seis milhões de "filhos" espirituais pelo mundo, o "alimento espiritual no tempo apropriado" - a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Terá valido a pena?
Um aspecto ainda mais preocupante evidenciado neste episódio talvez tenha sido a incapacidade dos dirigentes da filial mexicana de tomar, por eles mesmos, uma firme resolução a favor do que parecia ético, quando suas próprias consciências pareciam impelí-los nesta direção. Somente uma convicção inabalável em torno de uma suposta "direção teocrática" justificaria tal submissão espiritual a uma entidade, mesmo diante de uma questão tão clara como esta. É difícil supor que, sob outras circunstâncias, a Sociedade classificasse tal matéria como "questão de consciência".
Estes são os aspectos que ficaram obscurecidos na narrativa feita nas revistas mencionadas no início desta matéria. Sem o conhecimento deles, indubitavelmente seria difícil fazer uma avaliação imparcial do episódio. Há ainda um último ponto a ser considerado: a razão por trás do novo registro da Sociedade Torre de Vigia, pondo um fim a quase meio século como entidade "cultural".
50 anos depois - A Mudança!
A edição de 22 de Julho de 1994 de Despertai! apresenta com indisfarçado entusiasmo o novo documento de registro perante a Diretoria Geral de Assuntos Religiosos do México - datado de 7 de maio de 1993 - pelo qual La Torre del Vigía é reconhecida como Associação Religiosa. Eis uma uma foto dos papéis:
Documentos de Registro Oficial da Torre de Vigia como Sociedade Religiosa no México (Maio/1993)
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Apesar do altíssimo tributo ético e da supressão das expressões cristãs públicas advindos da opção feita há mais de 50 anos, a revista salienta que foi por meio deste arranjo - inegavelmente ilegal - que "Jeová abençoou a obra que as Testemunhas de Jeová vinham realizando ao longo dos anos". Quanto ao caso das "cartillas", nenhum comentário. É compreensível, já que trazer tal assunto à tona significaria reacender uma questão delicada sobre ética religiosa, algo nada desejável a esta altura da história da organização. Exumar tal episódio certamente só serviria a um propósito - abalar a fé do rebanho na designação da Sociedade Torre de Vigia, em 1919, qual "Escravo Fiel e Discreto" de Cristo, para prover-lhe "alimento espiritual no tempo apropriado".
Curiosamente, no final do 8o. parágrafo, o artigo deixa escapar uma pista do que pode ter motivado aquela equivocada posição adotada em 1943 - hoje revertida, em função da nova lei:
"...as associações religiosas constituídas conforme a presente lei poderão ter um patrimônio próprio que lhes permita cumprir com seu objetivo."
A foto abaixo dá uma amostra do que estaria em risco, caso as Testemunhas de Jeová fossem reconhecidas como uma religião no México, antes da emenda de 16 de Julho de 1992:
Novo complexo da Torre de Vigia no México - agora patrimônio oficial |
Em seu sermão do monte, Cristo falou:
"As pessoas acendem uma lâmpada e a colocam, não debaixo do cesto de medida, mas no velador, e ela brilha sobre todos na casa. Do mesmo modo, deixai brilhar a vossa luz perante os homens, para que vejam as vossas obras excelentes e dêem glória ao vosso Pai, que está nos céus." (Mateus 5:15, 16)
Quão forte brilhou perante os mexicanos a "luz" das Testemunhas de Jeová, durante os 50 anos em que elas não usavam publicamente a Bíblia, não oravam nem entoavam cânticos em suas reuniões e ainda pagavam propinas a funcionários públicos corruptos?
Deixo a resposta a você, leitor.
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