Assuntos Médicos e as Testemunhas de Jeová
"A Sociedade não faz recomendações nem decisões para outros referentes a práticas de medicina.. no entanto, quando certas práticas têm aspectos questionáveis... pode-se trazer isto à atenção."
A Sentinela de 15 de Dezembro de 1994, pág. 19
"Para nutrir e instruir seu povo, o Senhor tem usado as publicações da Torre de Vigia. Homem algum recebe os créditos pelas maravilhosas verdades que o Senhor tem revelado ao seu povo por meio das publicações da Torre de Vigia."
A Sentinela de 1 de Dezembro de 1933, pág. 263 (em inglês)
"Você encontrará informação valiosa nas publicações mais antigas."
Nosso Ministério do Reino de Janeiro de 1988
*Índice
A Idade de Ouro (1919-1936) |
Consolação (1937-1945) |
Despertai! (1946-hoje ) |
"[A revista] 'Despertai!' visa ao esclarecimento de toda a família. Mostra como enfrentar os problemas atuais. Veicula as notícias,...examina a religião e a ciência."
Prefácio da revista Despertai!
Segundo as palavras acima, a revista Despertai! - publicada pelas Testemunhas de Jeová - exerce um relevante papel junto aos seus leitores, pois propõe-se a prover-lhes 'esclarecimento' e informação confiável sobre assuntos científicos, entre outros. É certamente uma grande responsabilidade aquela que pesa sobre os ombros dos editores de uma publicação que chega às mãos de milhões de pessoas leigas, ávidas por informação - o caso da publicação ora em apreço - especialmente se seus artigos tiverem repercussão direta sobre os hábitos e a saúde de seus leitores. Tal responsabilidade torna-se ainda mais séria quando paira sobre tais informações o peso de uma respeitável autoridade religiosa.
Passados mais de 80 anos desde sua criação, e após duas mudanças de nome - veja as gravuras acima - a revista Despertai! é hoje a segunda mais conhecida publicação das Testemunhas de Jeová (logo atrás de sua 'companheira', a revista A Sentinela). De um humilde começo nos anos 20, tal compêndio (quinzenal) alcança hoje uma tiragem acima de 18 milhões de exemplares por edição, tendo sido traduzido para mais de 80 idiomas. Caso consideremos mais de um leitor por exemplar - dedução razoável, já que famílias inteiras adquirem uma única revista para o uso de todos os seus membros - concluiremos que este contingente equivale à população de diversos países do mundo, para cada edição da revista. Um autêntico sucesso de público! Neste artigo analisaremos os fatores que levaram esta publicação a tornar-se um best seller e, paradoxalmente, um dos compêndios mais combatidos por personalidades ilustres do meio científico, incluindo-se aí membros de respeitados institutos de pesquisa médica.
Para aqueles familiarizados com o formato atual desta publicação, é notável a freqüência com que seus editores, de fato, publicam matérias semelhantes às de outras revistas populares voltadas para assuntos científicos - artigos repletos de gravuras e infógrafos. As próprias Testemunhas de Jeová são exortadas em seu serviço de porta em porta a apresentar Despertai! como uma revista que trata, entre outras coisas, de matérias geográficas, científicas e históricas. Uma espécie de meio-termo entre um compêndio religioso e um científico. Há relatos de estudantes que utilizaram com êxito matérias da revista no cumprimento de tarefas escolares, tendo sido elogiados por seus professores. Não é incomum encontrar na seção "De nossos leitores" mensagens de pessoas se dizendo beneficiadas por informações médicas extraídas dos exemplares da revista. Diversos artigos - não se pode negar - foram de real proveito, tendo exposto temas científicos de maneira prudente. Mas, foi sempre assim? Qual exatas têm sido as matérias sobre ciência lançadas durante as oito décadas de existência da revista? Tiveram os editores da revista sempre a necessária cautela ao tratarem de assuntos ligados à saúde? Pautaram-se sempre na ética científica e na necessária isenção? Mais que isso, teria a referida publicação, em alguma época de sua existência endossado crendices populares ou práticas anticientíficas potencialmente perigosas ao público? Teriam as idéias pessoais ou preconceitos de seus editores exercido alguma influência sobre os artigos publicados? Estas indagações certamente merecem respostas.
Um exame na história da revista poderá lançar uma luz sobre o assunto.
1919 foi um ano portentoso para o movimento religioso conhecido como 'Estudantes da Bíblia' (atualmente 'Testemunhas de Jeová'), afinal o dia 25 de março daquele ano assistiu à libertação de seu presidente J. F. Rutherford, bem como sete colaboradores, da penitenciária de Atlanta-EUA, onde se encontravam detidos desde o ano anterior, enquadrados que foram na lei de espionagem norte-americana. Também, em setembro de 1919, foi realizado um grande congresso em Cedar Point - Ohio, no qual foi anunciado o lançamento de uma nova revista - The Golden Age ("A Idade de Ouro").
O livro Proclamadores, publicado pelas Testemunhas de Jeová desde 1993, na pág. 258, relata que o presidente, após o anúncio, declarou aos ouvintes: "...não estareis meramente fazendo a promoção como representantes de uma revista, mais sois embaixadores do Rei dos reis e Senhor dos senhores, ...anunciai a vindoura Idade de Ouro...". Neste congresso, milhares atenderam ao chamado e se dispuseram a fazer a nova revista chegar a tantos lares quanto pudessem. E assim fora feito. Afinal de contas, os divulgadores da revista - trabalhadores voluntários - presumiam, à luz do que lhes fora declarado no congresso de 1919, que esta publicação era instrumento do 'Rei dos reis' e 'Senhor dos senhores' - Jesus Cristo - para disseminar verdades sobre os mais diversos aspectos da vida de seus 'embaixadores'. Imbuídos de tal crença foi que eles deram início a esta árdua tarefa. Este certamente é um dos aspectos relevantes que ajudam a explicar o crescimento astronômico das tiragens da revista até a atualidade, pois, ainda hoje, milhões de trabalhadores não-remunerados continuam a distribuí-la a dezenas de países do mundo em seu serviço de pregação. As gigantescas gráficas também são operadas por trabalhadores autônomos - Testemunhas de Jeová voluntárias - o que tem desonerado em muito o custo de produção dos exemplares, permitindo à Sociedade Torre de Vigia aumentar consideravelmente a margem de lucro.
Para estar à dianteira deste projeto, foi nomeado editor-chefe de A Idade de Ouro um dos membros da diretoria do presidente Rutherford, seu associado e amigo pessoal Clayton Woodworth - cargo que exerceu até 1946, quando a revista passou a se chamar Despertai!, nome pelo qual é hoje mundialmente conhecida. Sua designação foi um ponto-chave na evolução da revista, já que, conforme veremos, por décadas à frente, as matérias publicadas nas edições de A Idade de Ouro refletiriam, em maior ou menor grau, as idéias de seu editor-chefe, bem como as de seu superior, o 'juiz ' Rutherford. Diversas coisas poderiam ser ditas sobre o Sr. Woodworth, exceto que ele fosse uma pessoa comum. Em 1913 ele compareceu a uma convenção dos Estudantes da Bíblia em Asheville, Carolina do Norte, na qual proferiu um discurso onde relatou experiências passadas de possessão demoníaca. Durante seu testemunho pessoal, ele disse ter estado "sob influência direta de espíritos malignos, com tanta intensidade que, por três dias, esteve sob completo controle demoníaco". É também dele o estranho comentário sobre Apocalipse, contido no livro The Finished Mistery [O Mistério Consumado], de 1917, págs. 126 e 127, onde ele fala de algo como a "base do cérebro sendo prensada tal qual ocorre em um torno mecânico", de "anjos caídos", de "visões", de uma "loucura temporária" e de uma "gloriosa névoa esverdeada ou amarelada". Tais palavras ajudam-nos a formar um perfil daquele que, por quase 30 anos, teria o controle ideológico de A Idade de Ouro.
C.J. Woodworth : editor-chefe de A Idade de Ouro |
A partir deste ponto, é conveniente situarmos historicamente o instante de lançamento da publicação, a saber, o início dos anos 20 - época em que grassavam muitas crendices populares e conceitos pseudocientíficos, tais como a frenologia, curas psíquicas, terapias esotéricas e coisas assim. Teria A Idade de Ouro endossado alguma destas crenças? Tal questão parece vital, pois, em caso afirmativo, a idoneidade dos autores da publicação, bem como a suposta bênção de Jesus Cristo sobre seu trabalho certamente estariam sob suspeita. É razoável supor que, sob tal tutela iluminadora, os editores estariam livres de 'contaminações' pagãs, estando assim aptos a manter seu vasto contingente de leitores igualmente protegidos de tais crenças e práticas que nada tem que ver com o cristianismo. O que mostram os exemplares de A Idade de Ouro deste período? Vejamos:
A edição de 5 de Agosto de 1931 da revista The Golden Age, pág. 727, deixa bem clara qual era a concepção da Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (sede central das Testemunhas de Jeová) sobre a medicina tradicional:
Fazemos bem em ter presente que, entre as drogas, soros, vacinas, operações cirúrgicas, etc., da profissão médica, não existe nada que se aproveite, exceto um procedimento cirúrgico ocasional. Toda a "ciência" (como eles a chamam) procedeu da magia negra egípcia e não perdeu o seu caráter demoníaco.... estaremos numa triste condição quando colocarmos o bem estar da raça na mãos deles.
Seria difícil para uma pessoa informada em nossos dias levar tais palavras a sério. Todavia, elas expressam exatamente a noção de ciência médica que a entidade governante das Testemunhas de Jeová tinha e divulgava. Esta mentalidade prevaleceria por décadas no futuro - até os anos 50 - com mais e mais artigos sobre o tema sendo lançados ao público, de modo a incutir nele uma visão, no mínimo, depreciativa da classe médica. Conforme veremos, paralelamente, uma ampla variedade de 'receitas' e terapias bizarras foram sendo endossadas pela revista, ao passo que a medicina tradicional era constantemente combatida.
Na verdade, se há uma coisa que marcou profundamente a mentalidade da Sociedade Torre de Vigia nesta época, foi a oposição à toda forma de ortodoxia, fosse na medicina ou na teologia. Este fator - combinado à forte personalidade do presidente Rutherford - conferiu às publicações deste período um tom inflamado e agressivo que nem de longe lembra o estilo cauteloso e diplomático hoje presente em Despertai! e A Sentinela. O linguajar desta época era áspero, irônico e por vezes arrogante, granjeando impopularidade para a organização e chegando a suscitar represálias políticas e religiosas contra as Testemunhas de Jeová. Alguns artigos publicados em sua literatura, de fato, deixavam transparecer traços de paranóia contra certas instituições - principalmente a política e a religião. Se houve alguma vez uma Torre de Vigia contenciosa e obstinada, foi, sem dúvida, na era Rutherford que ela teve seu clímax.
A história tem mostrado que a religião em geral cometeu erros gravíssimos ao imiscuir-se na ciência - com conseqüências altamente danosas para a humanidade. Foi assim na idade média e ainda é em algumas partes do mundo hoje em dia. Aparentemente, a Sociedade Torre de Vigia não constitui uma exceção. Prossigamos em nossa retrospectiva.
Mudar os hábitos de um povo - ainda que para seu benefício - não é tarefa fácil. Com o advento da vacinação em massa, as autoridades sanitárias de diversos países - inclusive o Brasil - encontraram forte resistência de diversos segmentos da sociedade, resistência esta que rebentou algumas vezes na forma de insurreições. Obviamente, tal atitude baseava-se na ignorância de muitos e no preconceito contra a medicina ortodoxa e contra as autoridades governamentais. Isto veio a gerar um grave problema de saúde pública. Não foi diferente nos Estados Unidos. Também naquele país, uma parcela da população - apoiada, às vezes, por autoridades religiosas - mostrou-se contrária a esta medida protetora. Foi diferente com a comunidade das Testemunhas de Jeová? Qual foi a postura adotada pela sua organização central? Os trechos abaixo, extraídos de diversas edições de A Idade de Ouro, falam por si mesmos:
“A
vacinação é uma violação direta do pacto eterno
que Deus fez com Noé após o dilúvio. Muito provavelmente existe alguma
conexão entre a violação do sangue humano [vacinas] e a difusão de demonismo...e
imoralidade sexual
- A Idade de Ouro de 4/2/1931,
pág. 293 (em inglês)
“Pessoas ponderadas prefeririam ter varíola
em vez de serem vacinadas, porque as vacinas propagam as sementes
da sífilis, cancros, eczema, erisipelas, scrofula, tuberculose, até a lepra e
muitas outras doenças nojentas. Portanto, a prática da vacinação é um
crime, um ultraje, e um engano.”
- A Idade de Ouro de1/5/1929, pág.
502 (em inglês)
“As vacinas nunca salvaram uma vida humana. Não previnem a varíola.
- A Idade de Ouro
de
4/2/1931, pág. 294 (em inglês)
"A vacinação nunca preveniu qualquer coisa e nunca prevenirá, é a prática mais bárbara que há... Usem seus direitos como cidadãos Americanos para abolir para sempre a prática demoníaca das vacinas."
- A Idade de Ouro
de
12/10/1921, pág.
17 (em inglês)
"Evite inoculações de soro e vacinas, pois elas poluem a corrente sanguínea com seu pus nojento."
- A Idade de Ouro
de
13/11/1929, pág.
106,107 (em inglês)
"[A vacinação é um] truque cruel de Satanás.."
- Consolação
de
31/5/1939, pág.
3 (em inglês)
Toda esta onda de ataques à prática da vacinação não se devia a qualquer evidência sólida de que ela fosse realmente uma ameaça à saúde pública, mas apoiava-se tão-somente na peculiar interpretação do texto bíblico de Gênesis, cap 9, onde Deus fala a Noé e sua família para absterem-se de sangue animal. A Sociedade Torre de Vigia evocava, portanto, não razões científicas, mas teológicas. Curiosamente, esta mesma passagem bíblica tem sido usada pelas Testemunhas de Jeová, desde 1945, para justificar sua exótica postura contra as transfusões de sangue. Todavia, nesse tempo, o entendimento era que tal passagem referia-se exclusivamente ao contato com o sangue não-humano. De fato, A Idade de Ouro, na sua edição de 4 de Fevereiro de 1931, pág. 294, dizia:
"Todas as mentes racionais devem concluir que não era à ingestão de sangue que Deus se opunha, mas ao contato do sangue da besta com o sangue do homem."
Este entendimento gerou uma situação totalmente antagônica ao
posicionamento atual das Testemunhas de Jeová, pois - a despeito de toda
'racionalidade' da mente - elas sustentam hoje exatamente o contrário do
que as palavras acima dizem: as vacinas são permitidas e a ingestão ou
transfusão de sangue - que equivocadamente consideraram por anos como
equivalentes - estão proibidas. A ampla maioria das Testemunhas de
Jeová nos tempos atuais ignora o fato de que A Idade de Ouro de 29 de
Julho de 1925, pág. 683, elogiava a doação de sangue. Sua sucessora, Consolação,
na edição de 25 de Dezembro de1940, pág.
19, seguiu o exemplo, elogiando um médico que doou um quarto de seu sangue e,
com isso, salvou a vida de uma senhora.
Em face de sua arraigada postura visceralmente contrária à prática da vacinação, os editores da revista não se mantiveram dentro dos limites da teologia, mas passaram a combater os próprios princípios científicos sobejamente demonstrados pelo grande bioquímico francês Louis Pasteur (chamado de "fraude" pela organização) e outros cientistas, os quais mostraram claramente o vínculo entre muitas enfermidades e os germes, bem como a eficácia da vacinação em prevenir um rosário de doenças, salvaguardando a vida humana. A partir deste ponto, os autores de A Idade de Ouro enveredaram por um pantanoso terreno de inconsistências, emitindo opiniões sobre um tema com o qual não demonstravam a mínima familiaridade. O resultado desta mentalidade é demonstrado nos trechos extraídos de diversas edições da revista e transcritos abaixo:
"Já se demonstrou conclusivamente que não existe tal coisa como a hidrofobia [raiva]!...A vacinação é o mais anti-higiênico, bárbaro, nojento, abominável, e o mais perigoso sistema de infecção conhecido. Seu veneno vil mancha, corrompe e polui o sangue da pessoa saudável, resultando em úlceras, sífilis, scrofula, erisipelas, tuberculose, câncer, tétano, loucura e morte."
- A Idade de Ouro
de
1/1/1923, pág.
214 (em inglês)
"Nunca se provou que uma única doença seja devida a germes."
- A Idade de Ouro
de
16/1/1924, pág.
250 (em inglês)
"As doenças são causadas por fermentação e calor... não por germes."
- A Idade de Ouro
de
25/8/1926, pág.
751 (em inglês)
"Todas as doenças humanas têm seu início nos intestinos."
- A Idade de Ouro de 28/11/1928, pág. 133 (em inglês)
"Em Los Angeles um jovem de 20 anos foi flagrado enquanto sufocava uma senhora de 75 anos. Preso e suspeito de três homicídios, ele declarava que a necessidade de matar vinha de inoculações de soro [sanguíneo]..."
- Consolação
de
1/12/1937, pág.
12 (em inglês)
O conceito endossado nesta última matéria - semelhante ao artigo de 1931 - não era circunstancial, pessoal ou transitório. Na verdade, seria mantido pela organização até a década de 60. Repare o leitor o que diz esta matéria de A Sentinela (revista 'companheira' de Despertai!) de 1 de Setembro de 1961 (pág. 564):
"O sangue de qualquer pessoa é, na verdade, a própria pessoa...Os venenos que produzem o impulso para cometer suicídio, homicídio, ou roubo estão no sangue. Insanidade moral, perversões sexuais, repressão, complexos de inferioridade, crimes hediondos - estes seguem freqüentemente o rastro das transfusões de sangue."
Tais palavras neste e nos outros artigos - não se pode negar - denunciam claramente ignorância científica e uma certa medida de arrogância. Queira o leitor ter em mente que estas matérias não foram escritas nos tempos do obscurantismo ou na idade média, mas em pleno século 20, décadas após a ciência já ter demonstrado, além de qualquer dúvida razoável, a existência de germes patogênicos, nocivos à saúde humana, bem como as funções relacionadas ao cérebro. Os artigos entre as décadas de 20 e 50 - eivados de sentimentos passionais - igualmente mostram que, no afã de combater a vacinação, a redação de A Idade de Ouro (atualmente Despertai!) acabou por perder o contato com a realidade. A forma enfática com que os artigos foram redigidos mostra ser bastante provável que seus autores realmente acreditassem nestas coisas e pensassem estar prestando um importante serviço de utilidade pública. Ao lado de tais declarações surpreendentes, diversos cartoons - um recurso ausente das edições atuais - foram publicados nas revistas, representando a vacinação de forma taxativa como algo detestável e repugnante, sem, no entanto, prover qualquer base científica para tal pensamento. Eis alguns exemplos:
Gravura da edição de A Idade de Ouro de 30 de março de 1932, pág. 409, representando a vacinação como uma deidade demoníaca, rodeada por inúmeras vítimas humanas. |
Esta gravura representa as vacinas como um coquetel de 'pus'. Os copos sobre o balcão contêm pus de vaca, cavalo, gato e cão. Enquanto o garçom - representando a Associação Americana de Medicina - serve a vítima, um ladrão - representando os fabricantes da vacina - furta a carteira do freguês. No rodapé, a expressão "Envenenando, insensibilizando e roubando a humanidade". |
Apenas na década de 50 - tendo que se curvar às incontestáveis evidências do
benefício da vacinação - os editores da revista começaram a recuar em sua
postura anterior. A revista A Sentinela
de 15/12/1952, pág.
764 (em inglês)
"A questão da vacinação é algo que o indivíduo deve encarar e decidir por si próprio."
A sucessora de A Idade de Ouro levaria ainda mais de uma década para reconhecer explicitamente o benefício das vacinas:
"As vacinas parecem ter causado uma drástica redução das doenças.."
-
Despertai!
de
22/8/1965, pág.
20 (em inglês)
Apenas após a morte do antigo editor-chefe de A Idade de Ouro, Clayton Woodworth, em 18 de dezembro de 1951, a Sociedade anuncia, por carta, sua mudança na postura quanto às vacinas. É possível que tal procrastinação em assumir esta mudança vital se devesse, pelo menos em parte, ao respeito por Woodworth, um ferrenho opositor das vacinas. É de se lamentar que a falta de razoabilidade dele tenha ditado certas normas organizacionais das Testemunhas de Jeová por tanto tempo, mesmo diante do peso das evidências contrárias a estas diretrizes. É, da mesma forma, lastimável que milhares de Testemunhas de Jeová desta época tenham permitido que suas consciências fossem moldadas por uma doutrina irracional, perigosa e sem base científica ou bíblica. De fato, os adeptos da religião recusaram a vacina contra varíola por muitos anos, tanto para si como para seus filhos, os quais enfrentavam, além do risco à saúde, uma dificuldade adicional - as escolas exigiam certificado de vacinação para admissão de alunos.
Não há estatísticas disponíveis sobre o número de pessoas que morreram ou ficaram aleijadas por conta de seguir as instruções da Sociedade Torre de Vigia entre os anos 20 e os anos 50. Sobre isso, pode-se apenas conjeturar. Aqui vale lembrar que, em 1921, contabilizaram-se cerca de 100.000 casos de varíola só nos EUA, com taxa de mortalidade ao redor de 40%. A varíola, bem como outras viroses, foram erradicadas graças à vacinação em massa. Diante de tudo isto, é razoável perguntar: poder-se-iam eximir os editores de A Idade de Ouro da responsabilidade pelos danos em potencial à saúde que estes artigos promoveram? Quão eficaz mostrou-se o instrumento do 'Senhor dos senhores' e 'Rei dos reis' em prover 'verdades' ao mundo? Quão seguros eram seus conselhos?
A cruzada contra as vacinas não foi a única empreendida pelos editores de A Idade de Ouro. Houve um outro episódio, igualmente notável pela paixão com que os redatores da revista entregavam-se a uma 'nobre' causa. Trata-se da 'guerra do alumínio', travada por décadas pela Sociedade Torre de Vigia.
A descrença da Sociedade Torre de Vigia na correlação entre bactérias e vírus e as enfermidades humanas levou-a a especular sobre suas 'reais' causas. A culpa acabou por ser atribuída aos utensílios de cozinha, fabricados em alumínio. Dizia-se que este material - não as bactérias - contaminava os alimentos e causava toda sorte de doenças. Pouco a pouco esta tese adquiriu caráter fundamentalista, retratando-se o alumínio como metal 'satânico' e assassino de milhões.
Tudo começou em 1926, quando o dentista prático e membro da igreja presbiteriana, Charles Betts (nascido em Ohio - EUA) publicou uma matéria condenando o alumínio. Tempos depois, ele foi desmascarado como charlatão. Desta época até o final dos anos 60, a Sociedade Torre de Vigia endossaria plenamente a tese de Betts, devotando nada menos que 130 artigos à campanha de combate ao alumínio. A edição de 12 de Setembro de 1934, pág. 771 (em inglês) de A Idade de Ouro dizia ser ela a primeira revista a dar "ampla publicidade a esta matéria" - a maravilhosa descoberta do Dr. Betts, a quem equivocadamente a revista conferia o título de médico, pois não há qualquer registro dele em uma universidade. Examinemos agora alguns artigos típicos desta época:
"Quantos pais e mães cairão doentes; quantos bebês assassinados até que as autoridades tomem uma providência quanto a isso e evitem este massacre desnecessário?"
-
Artigo
de A Idade de Ouro de 1929 (em
inglês, de autoria de C.
Woodworth)
"Evite o uso de utensílios de alumínio.... pois eles são perigosos à sua saúde, envenenando sua corrente sanguínea..."
-
A
Idade de Ouro de 12/11/1929, pág. 107 (em
inglês)
"Se você quer morrer, continue ingerindo alimentos cozidos com alumínio."
-
Artigo
de A Idade de Ouro de 1928 (em
inglês, de autoria de C.
Woodworth)
"Como resultado da publicação de uma verdade salutar sobre o assunto, há cada vez menos pessoas adquirindo utensílios de cozinha de alumínio. Também há uma acentuada queda no índice de mortes por câncer. Muito alumínio usado: muitos casos de câncer. Menos alumínio usado: menos casos de câncer."
-
A
Idade de Ouro de 28/5/1930, pág. 651 (em
inglês)
"Alumínio orgânico também é um veneno"
-
Artigo
de A Idade de Ouro de 7/8/1929 (em
inglês)
Esta última declaração revela ignorância técnica do assunto, já que a substância em questão - fosfato de alumínio - não é composto orgânico. A revista apenas copiou o erro de Charles Betts. Assim, A Idade de Ouro prosseguiu em sua cruzada contra o alumínio, atribuindo-lhe toda sorte de moléstia e intoxicação, apesar da completa ausência de base científica para isso. No final da década de 20, o Dr. Morris Fishbien - presidente da American Medical Association [Associação Americana de Medicina] e editor das duas publicações periódicas dessa associação, o Journal of the American Medical Association (JAMA) e Hygeia - publicou um artigo, no qual mencionava o resultado de todos os testes sobre o alumínio, realizados por conceituados institutos norte-americanos e ingleses. Em nenhum dos experimentos pôde-se demonstrar qualquer associação entre o uso de utensílios de cozinha em alumínio e qualquer enfermidade, muito menos o câncer. Outros cientistas também publicaram matérias expondo a futilidade de insistir com esta campanha. A resposta dos editores de A Idade de Ouro não tardaria a vir, e da pior maneira - a edição de 26 de Setembro de 1934, pág. 807 (em inglês) endossou o seguinte comentário:
O Jornal da American Medical Association é a folha mais vil que passa pelo correio dos Estados Unidos.... Nada que seja novo e útil em terapêutica escapa à sua condenação cega. Os seus ataques são geralmente ad hominem. As suas colunas editoriais são devotadas em larga medida ao assassinato das pessoas.... O seu editor [Morris Fishbien] é o tipo de Judeu que crucificou Jesus Cristo.
Assim, edição após edição, ataques pessoais e a instituições médicas assumiram o lugar dos argumentos cientificamente embasados. A revista A Idade de Ouro e sua sucessora - Consolação - passaram insinuar que todos os profissionais médicos defensores do alumínio estavam comprometidos com os grandes comerciantes do ramo. Era, pois, inevitável que estas publicações passassem a não ser levadas a sério pelos cientistas e institutos médicos de prestígio. Como resultado, a Sociedade Torre de Vigia acabou por receber um lugar de destaque entre os maiores nomes do charlatanismo médico na história - listados no clássico texto de Warner (1930).
Eis alguns cartoons da época:
"Os convidados ocultos da mesa de jantar feito com alumínio: envenenamento, câncer e morte" | O público consumidor de alumínio, representado por um bode expiatório morto, ao lado dos algozes | O fabricante de alumínio diz: "'todos a bordo - para a morte!' (câncer, loucura e envenenamento)" |
Paralelamente, a Sociedade Torre de Vigia, passou a publicar cartoons extremamente hostis à Associação Americana de Medicina (AMA), como este, na edição de A Idade de Ouro de 8 de Setembro de 1937, pág. 771:
O Hospital da Associação Americana de Medicina é representado como um monstro devorador e os médicos, como vigaristas gananciosos. No rodapé, faz-se uma pilhéria com a sigla da associação: "Fabricantes de Alumínio Associados". |
É certamente lamentável que os editores de A Idade de Ouro, no afã de manter sua doutrina, recorressem a insultos como os que vimos até agora. Todavia, ante a falta de evidência, a Sociedade Torre de Vigia, gradualmente encerrou sua cruzada contra o alumínio e seus defensores, chegando até a chamá-lo, em uma edição de A Sentinela de 1969, de "um dos mais versáteis metais conhecidos do homem, pelo qual deveria ser grato ao Grande Criador, o qual encravou-o primeiro na crosta da terra". Estranhamente, nenhuma menção é feita do radicalismo com o qual, por décadas, a organização defendia uma postura totalmente oposta ao que agora afirmava.
Certamente ninguém veio a morrer por evitar utensílios de alumínio, atendendo aos apelos da Sociedade Torre de Vigia. Por outro lado, não se pode deixar de extrair deste caso uma demonstração do quanto a falta de modéstia e de cautela em emitir opiniões pode conduzir toda uma organização a um poço de inconsistências e falácias. A lição é clara: todos devemos ter prudência em questões fora de nossa área de conhecimento, especialmente em assuntos que envolvem a saúde humana. Os editores da revista A Idade de Ouro (atualmente Despertai!) não foram exceção. Caso tivessem tido a humildade necessária a todo leigo, episódios patéticos como este poderiam ter sido evitados.
As incursões pitorescas da Sociedade Torre de Vigia ao mundo da ciência não se restringiram às questões da vacinação e do alumínio. Deveras, seus representantes, por diversas vezes, endossaram o trabalho de opositores da medicina ortodoxa, os quais posteriormente foram desmascarados como charlatões em assuntos médicos. Entre estes, podemos citar Albert Abrams, George Starr White, Bernarr McFadden e outros. Alguns deles desenvolveram verdadeiras 'geringonças' que, quando não inócuas, eram prejudiciais à saúde. Outras vezes, as publicações continham conceitos totalmente ultrapassados em medicina - o caso, por exemplo do artigo de A Sentinela de 1961, que, ao classificar transfusão sanguínea de "alimento", estava apenas confirmando as obsoletas palavras de um médico do século 17, Jean Baptiste Denys. Além disso, diversos autores de artigos que saíram nas revistas das Testemunhas de Jeová eram médicos adeptos de terapias alternativas, sem qualquer base científica e freqüentemente baseadas em crendices, ocultismo e folclore.
Façamos agora uma breve incursão a alguns dos mais estranhos exemplos de 'diagnóstico', 'terapêutica', 'aconselhamento médico' e 'descobertas científicas', publicados pelas Testemunhas de Jeová ao longo do tempo:
"Nós fornecemos abaixo uma cura simples para os sintomas de apendicite. A dor na região do apêndice é causada pela mordida de vermes próximo da junção do cólon transverso com o intestino delgado, do lado inferior direito do abdômen. Este remédio é também recomendado para febre tifóide, a qual também é uma doença causada por vermes. A medicação é a dose 'Santonina', 3 grãos, uma hora antes do desjejum; repetidas por quatro manhãs, até que os sintomas desapareçam. Daí, uma dose por mês durante três meses para erradicar todos os germes. Esta receita é de INCALCULÁVEL VALOR. Não só evitará despesas, talvez de 200 dólares, com cirurgia e internação, como evitará semanas de mal-estar, inconveniência, convalescença e perda de salário."
-
Torre
de Vigia de Sião de 15/1/1912, pág. 26 (em
inglês)
Comentário: Este artigo contém uma incrível seqüência de absurdos. Primeiro, esta 'receita', além de ineficaz, pode levar o paciente de apendicite a não buscar o tratamento cirúrgico, resultando em uma septicemia fatal. Segundo, apendicite nada tem a ver com 'mordidas de vermes'. Terceiro, não existe nenhuma junção entre cólon transverso e o intestino delgado, mas deste último com o cólon ascendente. E quarto, febre tifóide não é causada por vermes, mas por bactérias.
"Alguns sentem um forte desejo de adorar a Deus, outros sentem pouco desejo e outros não sentem desejo algum. Esta diferença se deve ao formato do crânio."
-
Reimpressão
de Watchtower de 15/3/1913, pág. 5201 (em
inglês)
Comentário: Esta declaração baseia-se na frenologia, a crença anticientífica e absurda que relaciona as aptidões e o caráter das pessoas ao formato da cabeça. A exemplo de seu fundador - C. T. Russell - a Sociedade Torre de Vigia endossaria esta e outras teorias estapafúrdias por décadas no futuro.
"A irmã Smith de Nebraska recentemente descobriu uma espécie de feijão, os quais ela declara ter produzido tanto que ela os chama 'Feijões do Milênio'."
- Torre de Vigia de Sião de 15/1/1912, pág. 26 (em inglês)
Comentário: Esta notícia é típica de uma época em que se buscavam evidências 'milagrosas' do proximidade do milênio de Jesus Cristo, prometido para 1914 - produzindo uma atmosfera de expectativa e sensacionalismo. Por volta desta mesma época, um outro episódio - o do 'trigo milagroso' - acabou por suscitar o escárnio público e descrédito sobre a Sociedade Torre de Vigia. Seu fundador, Russell, foi satirizado em um jornal norte-americano como charlatão. Ele processou o jornal e perdeu a questão na Justiça.
"...O uso de chupetas por bebês é uma das principais causas de amídalas enfermas e aumentadas e adenóides crescidas, como resultado da sucção."
-
A
Idade de Ouro
de 26/11/1919, pág. 153 (em
inglês)
Comentário: A hipertrofia (crescimento) das adenóides ou das tonsilas palatinas (amídalas) em crianças está relacionado a fatores imunológicos e não à sucção de chupetas.
"O tamanho do nariz, e também o tamanho dos olhos, não são sem significado. Um homem de nariz pequeno não pode ter uma mente judicial, não importa que outras virtudes tenha. E um homem de nariz arrebitado não pode administrar justiça mais do que um buldogue pode ser pastor."
-
A
Idade de Ouro
de 19/1/1921, pág. 224 (em
inglês)
Comentário: Outra declaração baseada na frenologia, dezoito anos após Russell ter dado publicidade a esta crendice em seu periódico Watchtower.
" Jesus era um homem perfeito e, falando em linguagem científica, tinha uma abundância de elétrons... Assim, a mulher que padecia de um problema sanguíneo estava em sintonia com Jesus - ela tinha fé - e quando tocou a aba de sua veste, elétrons saíram dele e ela foi curada."
-
A
Idade de Ouro
de 20/12/1922, pág. 177 (em
inglês)
Comentário: Esta matéria representa um período em que a Sociedade Torre de Vigia esteve bastante empolgada com a teoria de um famoso charlatão - Albert Abrams - inventor de um dispositivo baseado em sua teoria das Reações Eletrônicas de Abrams (E.R.A.) - o "dinamizador". O Sr. Abrams fez fortuna com sua "invenção". A máquina 'radiônica' supostamente curava doentes à distância através de uma foto, uma amostra de sangue ou outro item qualquer da pessoa.Um adepto da religião que era médico desenvolveu um aparelho semelhante e o anunciava à venda na revista A Idade de Ouro. Tal 'terapia' esteve em uso na sede da organização (Betel) até os anos 40. Tal prática, além de absurda, fundamenta-se no ocultismo - hoje condenado pelas Testemunhas de Jeová. Incrível como possa parecer, uma Testemunha de Jeová de nome Roy Goodrich, tendo lutado contra o uso deste dispositivo entre seus irmãos de fé por considerá-lo objeto ligado ao espiritismo, acabou sendo desassociado da religião. Quanto ao inventor da falsificação - Albert Abrams - foi contemplado pela revista da American Medical Association [Associação Americana de Medicina] com o título de "Decano dos Charlatões do Século 20".
"... a mosca foi originalmente criada pelo demônio...Os odores que são altamente desagradáveis ao homem... são agradáveis para a mosca...Provavelmente o Senhor produziu alguns dos insetos úteis. Não há dúvida de que o demônio criou alguns dos outros. O Senhor é o melhor arquiteto."
-
A
Idade de Ouro
de 19/12/1923, pág. 163 (em
inglês)
Comentário: Aqui - por meio de uma 'descoberta' assombrosa - a Sociedade Torre de Vigia promoveu o diabo a criador.
"Não há alimento bom para a refeição da manhã. A hora do desjejum não é hora para interromper o jejum. Mantenha o jejum diariamente até o meio-dia."
-
A
Idade de Ouro
de 9/9/1925, pág. 784 (em
inglês)
Comentário: Ao despertar pela manhã, a taxa de açúcar no sangue apresenta-se baixa, de modo que é justamente este o momento adequado para uma refeição balanceada. Não há base científica para incentivar alguém a ir ao trabalho em jejum, até o meio-dia, como forma de promoção de saúde. Mais um conselho duvidoso de A Idade de Ouro.
"...A Biola Eletrônica de Rádio, a qual significa vida renovada por ondas de rádio ou elétrons. A Biola automaticamente diagnostica e trata doenças pelo uso de vibrações eletrônicas."
-
A
Idade de Ouro
de 22/4/1925, pág. 454 (em
inglês)
Comentário: Este artigo representa outro modismo adotado pela Sociedade Torre de Vigia, após seu presidente Rutherford ter se tratado com uma tal 'almofada rádio-solar' para curar pneumonia. A Idade de ouro de 23 de Junho de 1920, págs. 606 e 607, publicou uma matéria de autoria do médico de Rutherford, explicando as 'propriedades' do dispositivo, seguindo-se de uma recomendação pessoal do 'juiz' em favor de tal tratamento. O mais curioso é que o editor da revista, Clayton Woodworth - na edição de 2 de Fevereiro de 1921, pág. 260, afirmou que a descoberta do elemento rádio devia-se a demônios 'honestos', os quais comunicavam-se com os seres humanos por meio de objetos de ocultismo, tais como pranchetas Ouija. É importante salientar que, além de ineficaz, tal tratamento é perigoso à saúde.
"Pegadas humanas de 2,1 m de comprimento encontradas na Califórnia [podem ser] dos gigantes [mencionados em] Gênesis, cap. 6.."
-
A
Idade de Ouro
de 13/1/1926, pág. 238 (em
inglês)
Comentário: Aqui, os editores de A Idade de Ouro arriscam um 'palpite' em paleontologia, muito embora a Bíblia nada indique quanto ao tamanho dos pés dos 'nefilins' de Gênesis.
"A maioria dos acidentes se devem à gravitação e seus efeitos... Quedas de avião... podem ser evitadas por dispositivos individuais de gravidade negativa."
-
A
Idade de Ouro
de 24/3/1926, pág. 404 (em
inglês)
Comentário: Esta matéria caracteriza bem a fase em que os editores da revista mostravam uma forte propensão para a ficção científica.
"Deus [poderá em breve fazer] um cometa [ser] capturado pela terra... trazendo uma mudança radical no clima... transformando a superfície de nosso planeta em um paraíso."
-
A
Idade de Ouro
de 16/6/1926, pág. 583 (em
inglês)
Comentário: É muito pouco provável que a colisão da terra com um cometa resultasse em um 'paraíso'. Trata-se apenas de mais uma fantasia dos autores - típica da época.
"A pasteurização do leite e de outros alimentos é responsável por quase todos os males físicos da humanidade hoje."
-
A
Idade de Ouro
de 30/6/1926, pág. 623 (em
inglês)
Comentário: Eis uma afirmação bem típica da época em que a Sociedade Torre de Vigia empreendia mais uma de suas 'cruzadas' pseudocientíficas - o ataque à teoria dos germes como causadores das doenças, o qual perdurou até, pelo menos, o ano de 1939. Os editores de A Idade de Ouro recomendavam a ingestão de leite não-pasteurizado como sendo benéfica à saúde, mesmo diante dos riscos envolvidos nesta prática. Aqui, mais uma vez, a Sociedade foi na contra-mão da ciência. Apenas 70 anos depois - em 1996 - a revista Despertai! renderia o devido louvor ao trabalho do bioquímico francês Louis Pasteur - idealizador da pasteurização.
"...O rádio está realizando uma profecia diante de nossos olhos... Jesus disse que... as pedras clamariam... a galena é usada na maioria dos aparelhos de rádio... galena não passa de um pedaço de pedra... as pedras estão sendo usadas para clamar pelo Rei dos reis..."
-
A
Idade de Ouro
de 1/12/1926, pág. 157 (em
inglês)
Comentário: Nesta matéria pode-se ver até que ponto ia imaginação dos editores de A Idade de Ouro, buscando mirabolantes cumprimentos 'proféticos' nas coisas mais banais do dia-a-dia. Por volta desta época, era costumeiro a Sociedade Torre de Vigia relacionar até suas transmissões radiofônicas e assembléias às grandes profecias de Apocalipse para o 'fim do mundo'.
"O rádio [poderá brevemente] transmitir... calor, luz, visão, som e força."
-
A
Idade de Ouro
de 14/7/1926, pág. 644 (em
inglês)
Comentário: Aparentemente tal previsão futurística jamais se cumpriu - apenas mais um fruto das mentes criativas de C.J. Woodworth e seus associados.
"Se um médico mais fervoroso condenar suas amídalas, vá e se mate com uma faca de mesa. É mais barato e menos doloroso."
- A Idade de Ouro de 7/4/1926, pág. 438 (em inglês)
"Um cura para catarro e febre do feno... 30 gramas de casca de pimenta-da-jamaica... aspirar... algumas vezes por dia..."
-
A
Idade de Ouro
de 26/1/1927, pág. 272 (em
inglês)
Comentário: Acima vemos mais conselhos pueris e receitas 'milagrosas' da equipe editorial de C.J. Woodworth.
"No futuro a humanidade vai obter seu alimento diretamente do sol"
-
A Idade de Ouro de
5/10/1927, pág. 10 (em
inglês)
Comentário: O sol é uma estrela composta principalmente de hidrogênio a formidáveis temperaturas. Sua energia sustenta processos vitais como a fotossíntese. Entretanto, requer uma boa dose de imaginação fantasiosa para prever uma extração direta de alimento do sol.
"Existe apenas uma doença, a prisão de ventre."
-
A Idade de Ouro de
3/3/1929, pág. 434 (em
inglês)
Comentário: A afirmação acima representa mais um endosso da Sociedade Torre de Vigia ao charlatanismo médico. Trata-se do "Sistema Ehret de Eliminação" - cujo criador afirmava que todas as doenças tinham como origem o acúmulo de matéria fecal e que a prática de jejuns possibilitaria a eliminação desses resíduos, restabelecendo a saúde da pessoa. Contrário a toda forma de ortodoxia na medicina, Clayton Woodworth advogou este pensamento por anos e concedeu-lhe amplo espaço nas páginas de A Idade de Ouro.
"O corpo humano, como tudo o mais, é composto de elétrons... se estes átomos forem normais, então seus elétrons funcionam apropriadamente e ordeiramente, a saúde é usufruída. Contudo, qualquer desarranjo atômico causa uma doença no corpo e seus sintomas se manifestarão..."
-
A Idade de Ouro de
29/5/1929, pág. 564
(em
inglês)
Comentário: Tais palavras denunciam claramente a ignorância do autor do artigo no que se refere às leis físicas que regem o comportamento do átomo. Não há átomos "normais" ou "anormais" por trás da saúde ou da enfermidade e os elétrons sempre funcionam 'apropriada' e 'ordeiramente'. Na verdade, o artigo acima foi escrito na época em que a Sociedade Torre de Vigia não acreditava nos germes como causadores de doenças e, portanto, punha-se a fazer especulações pseudocientíficas. Neste artigo em particular, as estranhas afirmações originam-se da "Teoria das Reações Eletrônicas de Abrams", mencionada anteriormente.
"...O cirurgião pode cortar fora o 'caroço' ofensivo, não importando onde esteja, e a vítima talvez viva... todavia, mais cedo ou mais tarde... a morte ocorrerá como resultado da decomposição, ou da putrefação dessa matéria morta e venenosa, e de sua absorção de volta ao sistema..."
-
A Idade de Ouro de
30/10/1929, págs. 79-80
(em
inglês)
Comentário: Neste artigo, Clayton Woodworth arrisca uma explicação 'científica' para a causa do câncer. Segundo ele, os tumores tinham origem no acúmulo de matéria fecal ou resíduos que caiam na corrente sanguínea, de nada adiantando a remoção cirúrgica do tecido lesionado. Todavia, a remoção cirúrgica é uma técnica empregada até hoje e, quando corretamente indicada, pode levar à cura completa da doença. Além disso, sabe-se que o câncer é uma doença celular multifatorial - nada tendo a ver com 'putrefação' ou 'decomposição'. Mais uma vez, o editor de A Idade de Ouro deixou passar uma esplêndida oportunidade de permanecer em silêncio numa questão com a qual não demonstrava a menor familiaridade.
"Durma virado para a direita ou de costas, com a cabeça virada para o norte, de modo a se beneficiar das correntes magnéticas da terra."
-
A Idade de Ouro de
12/11/1929, pág. 107 (em
inglês)
Comentário: Eis mais alguns conselhos sem sentido a enriquecer o folclore da Sociedade Torre de Vigia.
"Pare de usar gomas de mascar, pois você precisa da saliva para os alimentos."
- A Idade de Ouro de 12/11/1929, pág. 107 (em inglês)
Comentário: Muito embora as gomas de mascar contribuam para as cáries, elas não reduzem o fluxo salivar - muito pelo contrário, aumentam-no. E a saliva não se esgota, como o autor parece crer, mas é continuamente produzida pelas glândulas salivares.
"Parecerá aos leitores do livro 'Criação' do Juiz Rutherford que a condição atual de Vênus é semelhante à da terra antes do dilúvio, e é significativo que alguns astrônomos lançaram a idéia de que animais como os dinossauros que, uma certa época, perambulavam por este planeta, estão agora encontrando em Vênus um lugar feliz onde viver."
-
A Idade de Ouro de
1/4/1931, pág. 428 (em
inglês)
Comentário: A atmosfera de Vênus é rica em ácido sulfúrico e, em sua superfície, reinam altas temperaturas. Em tal ambiente inóspito para a vida é muito pouco provável que possam sobreviver vírus ou bactérias, muito menos dinossauros. Nesta matéria, mais uma vez, os editores da revista lançam-se desastradamente ao mundo da ficção.
"Um assinante acha que uma gota ou duas de querosene é algo excelente para limpeza rápida de pias e banheiras.... e quando aplicadas em feridas, elas saram mais rápido. Experimente."
-
Consolação
de 1/12/1931, pág. 12 (em
inglês)
Comentário: O querosene é tóxico quando absorvido pelas mucosas. A última coisa que uma mãe conscienciosa faria seria tratar os ferimentos de suas crianças com querosene. Este é mais um estranhíssimo conselho.
"Tratamento Osteopático para Loucura"
-
A
Idade de Ouro
de 26/10/1932, pág. 53 (em
inglês)
Comentário:
A Osteopatia - crença segundo a qual todos os males resultam de 'subluxações'
na coluna vertebral - foi inventada pelo filho de um missionário
metodista, Andrew Still, o qual afirmava que sua descoberta havia
sido inspirada por Deus. Seu lema era: 'nada de drogas, nada de cirurgias, nada
de soros'. Apesar de inúmeros artigos científicos expondo o charlatanismo
envolvido nesta prática, a Sociedade Torre de Vigia continuou a endossá-la
até o ano de 1961, quando publicou um artigo favorável a ela na edição de 8
de Dezembro de 1961da revista Despertai!.
"Quanto mais cedo na manhã tomar o banho de sol, maior será o efeito benéfico, porque apanhará uma quantidade maior de raios ultra-violetas, que são curativos"
-
A Idade de Ouro de
13/9/1933, pág. 777 (em
inglês)
Comentário: Outra seqüência de absurdos. Nem a incidência de raios ultra-violeta é maior quanto mais cedo na manhã nem são eles curativos. Na verdade, a exposição prolongada a eles - especialmente no fim da manhã - provoca queimaduras e contribui para o aumento na incidência de câncer de pele e cegueira. O escritor demonstra completa ignorância do assunto e, ainda assim, põe-se a aconselhar seus leitores.
"Apendicite: pegue 30 gramas de flor de sabugueiro, hortelã-pimenta e pilefólio e ferva em meio-litro de água... tome um copo de vinho cheio a cada 15 minutos... não se assuste com a 'suadeira' que causa, ou se você vomitar. Você se sentirá melhor se estiver de estômago vazio."
-
A Idade de Ouro de
19/12/1934, pág. 187 (em
inglês)
Comentário: Eis outra 'receita' ineficaz e perigosa para se tratar apendicite. O editor-chefe de A Idade de Ouro, C. J. Woodworth seguia - com grande empolgação - a mesma trilha de seu mestre, Russell, publicando 'curas naturais' para as doenças e expondo a vida dos leitores ao risco.
"... Muitos foram curados de problemas de fígado...Um irmão que, por anos, sofria de dores na região do apêndice, ficou inteiramente restabelecido pelo tratamento com azeite."
-
A
Idade de Ouro
de 5/7/1935, pág. 632 (em
inglês)
Comentário: A bíle, produzida pelo fígado, coopera com a digestão por promover a emulsificação das gorduras. Um paciente com problemas hepáticos terá dificuldades em digerir o azeite ou qualquer alimento gorduroso. Portanto, é pouco recomendável seu emprego como remédio para tratar moléstias hepáticas. Da mesma forma, se as dores abdominais forem oriundas de um quadro de apendicite, a coisa certa a fazer é buscar assistência médica urgente. Agir de outra forma é expor a saúde da pessoa ao risco.
"Aspirina - a ameaça de doença cardíaca"
-
A Idade de Ouro de
27/2/1935, pág. 343 (em
inglês)
Comentário: Ao contrário do que afirma este artigo, a aspirina continua a ser um poderoso aliado no tratamento de doenças cardíacas relacionadas à formação de coágulos.
"Pasteur - a Fraude"
-
A Idade de Ouro de
23/9/1936, pág. 814 (em
inglês)
Comentário: Este é um dos mais estapafúrdios artigos já publicados pela Sociedade Torre de Vigia e representa com exatidão o pensamento de Clayton J. Woodworth - o homem a quem o presidente Rutherford designou como editor chefe da revista A Idade de Ouro. Sessenta anos depois, na edição de 8/12/1996 - págs. 24-27 - da revista Despertai! (em inglês), a mesma Sociedade não mais classifica Pasteur como fraude, mas chama-o de "benfeitor da humanidade". É natural perguntar: em qual dos artigos estava ela sob a 'direção' do Espírito Santo - no de 1936 ou no de 1996? Ou em nenhum dos dois?
"..Por conseguinte, é razoável concluir-se que, antes de Deus a ter amaldiçoado, a serpente possuía pernas que a elevavam acima do solo... Deus teve o poder de transformar o corpo dela, de modo a que deixasse de ter pernas e pudesse mover-se sobre seu ventre."
- A Sentinela de 15/2/1965, págs. 127 e 128
Comentário: Aqui, o redator emite um parecer pueril sobre o relato bíblico de Gênesis 3: 14, esquecendo-se de que o texto também diz que a serpente "comeria pó". Sabe-se que as serpentes alimentam-se de outros animais, os quais caçam, matam e engolem. Além disso, todos os répteis rastejam sobre o ventre - a própria palavra 'réptil' significa rastejar. Quando possuem patas, elas emergem da face lateral do corpo, mantendo o ventre do animal em contato com o solo. Curiosamente, o evolucionismo - do qual a Sociedade Torre de Vigia discorda totalmente - teoriza que, de fato, as serpentes atuais descendem de ancestrais cujas patas regrediram, muito embora não se atribua esse fato à maldição de Gênesis ou a qualquer outra maldição. Assim sendo, vemos que não é preciso muito bom senso para perceber a futilidade de buscar uma aplicação literal para essa passagem bíblica. Bom senso que aparentemente faltou aos editores de A Sentinela.
"O coração, no entanto, está intrincadamente conectado ao cérebro pelo sistema nervoso e é bem suprido por terminações nervosas sensoriais. As sensações do coração são gravadas no cérebro. É aqui que o coração leva até a mente seus desejos e afeições, até chegar a conclusões que tem que ver com as motivações... Há uma estreita relação entre o coração e a mente, mas eles são duas diferentes faculdades, centradas em diferentes localizações. O coração... mais significativamente contém nossa capacidade emocional e nossa motivação...Uma coisa é certa, [quando os transplantados] perdem seus próprios corações, eles perdem as propriedades do coração neles contido ao longo dos anos e que contribuiu para fazer deles quem são no que diz respeito à personalidade... Devemos lembrar-nos de que o coração também raciocina."
-
A
Sentinela de 1/5/1971,
em inglês (ou 1/9/71, págs. 518 - 524, em português)
Comentário: Passados 20 anos desde a morte de Clayton Woodworth, a Sociedade Torre de Vigia ainda parece encontrar no exemplo dele alguma inspiração para divulgar pseudociência. As funções cognitivas e as emoções têm sua sede no sistema nervoso central. Os batimentos cardíacos acelerados são uma conseqüência do estado emocional, não sua causa. E não há qualquer fundamento científico para supor um transplante de 'personalidade' em pacientes que recebem um coração novo. Atribuir propriedades cognitivas ao coração remonta aos antigos egípcios e babilônios, milênios atrás. Trata-se, pois, de uma teoria demasiado fantasiosa para a década em que o artigo foi publicado, representando um fantástico retrocesso no conhecimento científico - algo, infelizmente, corriqueiro no curriculum da organização.
"Psiquiatras e psicólogos... não são aqueles a quem se deve recorrer quando alguém está deprimido e assediado por toda sorte de problemas... os suicídios entre eles correspondem ao dobro da freqüência encontrada na população em geral... ao invés de recorrer a psiquiatras e psicólogos, os quais também, na maior parte, não possuem tal fé, que os amantes da retidão recorram à Bíblia em busca de sabedoria..."
- Despertai! de 22/8/1975, pág. 26 (em inglês)
Comentário: Aqui, a religião desaconselha a seus adeptos a busca de tratamento psiquiátrico ou psicológico, sob a alegação de que estes profissionais médicos 'não têm fé'. Além disso, busca denegrir a reputação desses profissionais. Artigos como o acima estão por trás da relutância das Testemunhas de Jeová em recorrer a especialistas médicos nos casos de desordens psíquicas e afetivas - mesmo naqueles de alta gravidade - em favor de uma abordagem meramente religiosa do problema. Sabe-se que diversos distúrbios mentais, tais como depressão e esquizofrenia (as quais podem envolver fatores genéticos) infringem enorme padecimento à pessoa e seus familiares. O não tratamento destes pacientes poderá resultar - e, amiúde, tem resultado - em suicídio. Na verdade, o provável temor da Sociedade Torre de Vigia - aquele que motivou o lançamento do artigo - é que estes profissionais detectem na religião do paciente um fator agravante por trás de seus distúrbios psíquicos. O psiquiatra clínico, Dr. Jerry Bergman (PhD e ex-adepto da religião) relata estudos demonstrando que tais doenças são mais freqüentes entre as Testemunhas de Jeová do que em meio à população em geral.
A essa altura das evidências, é compreensível certa medida de espanto por parte do leitor - especialmente quando se considera que os artigos expostos e comentados acima foram supostamente produzidos pela 'única' organização do mundo 'dirigida' pelo Espírito Santo de Deus. Ao lado de tais matérias, sem dúvida, 'assombrosas', diversos outros artigos divulgados na literatura da Sociedade Torre de Vigia prosseguiram endossando as mais inimagináveis 'terapias' alternativas. Entre elas, podemos acrescentar:
a) Terapia de Zona (Despertai! de 22 de Setembro de 1951, págs. 27 e 28)
b)
Iridiagnose, quiropatia, a dieta das uvas, o purificador biológico de sangue, o
matador de doenças de rádio (A Idade de Ouro de 17 de Novembro de 1926)
e outras aberrações.
RDK - O "Matador de Doenças a Rádio" : uma das 'geringonças' endossadas pela Sociedade Torre de Vigia nos anos 20 - mais um risco à saúde pública. |
Em face do exposto acima, não é de surpreender que diversos estudiosos da história da medicina tenham colocado a literatura das Testemunhas de Jeová entre as fontes mais completas (e divertidas, até) de folclore 'científico', afinal, sua evolução caminha paralelamente aos casos mais célebres de fraudes na medicina e na ciência em geral. É mister lembrar que tais invencionices expuseram milhares de pessoas ao risco de lesões permanentes ou óbito, induzindo-as a abandonar o tratamento médico adequado em troca de verdadeiras 'poções milagrosas'. Pelo risco envolvido na própria pseudoterapia recomendada - sendo em si mesma danosa - ou pela protelação em buscar assistência médica, mascarando os sintomas ou concedendo tempo à progressão da doença, dificilmente poder-se-ia eximir a cúpula da Sociedade Torre de Vigia pela responsabilidade neste caso. A saúde e a vida de milhares de seres humanos foi desnecessariamente exposta ao perigo.
Transplante de Órgãos - 'Canibalismo'?
Nem sempre a Sociedade Torre de Vigia foi sistematicamente contrária ao avanço científico. Conforme vimos, no embalo deste avanço, os editores de A Idade de Ouro, em várias ocasiões, deram 'asas à imaginação', extrapolando em muito o que algumas suposições científicas pareciam sugerir. Todavia, neste mesmo aspecto encontramos uma enorme incoerência - após haver elogiado certas conquistas dos cientistas, a literatura da organização, subitamente, dava uma 'guinada' completa, passando a atacar a mesmíssima coisa que havia anteriormente louvado. Vamos a um episódio célebre: o dos transplantes de órgãos.
Nenhuma pessoa razoável negaria que a tecnologia dos transplantes de órgãos prestou um incomparável benefício à humanidade. De fato, pacientes condenados à morte pela falência de um órgão vital, com o advento dos transplantes, passaram a ver 'uma luz no fim do túnel'. Um dos casos mais notórios que atestaram a eficácia dos transplantes foi o do francês Emmanuel Vitria, o qual teve sua vida prolongada em cerca de 25 anos, graças a um coração transplantado. A técnica tem continuamente se aprimorado, com os transplantes estendendo-se a outros órgãos, tais como rins, fígado, pulmões, córneas e medula óssea. Milhões de pacientes pelo mundo aguardam ansiosamente na fila por um órgão novo, o qual lhes permita continuar vivendo. Além disso, novas drogas têm possibilitado enfrentar, com cada vez mais sucesso, o mais temido inimigo dos pacientes transplantados - a rejeição do tecido. Sem dúvida, tudo isso tem provido um enorme alento àqueles que estavam prestes a perder um ente querido em tal situação. Você próprio, leitor, talvez tenha sido beneficiado ou conheça alguém que já foi agraciado com os benefícios desta especialidade médica. Não se sente grato?
No ano de 1949, os editores da revista Consolação (atualmente Despertai!) pareciam demonstrar bom senso, dando o devido crédito àquilo que chamavam de 'maravilhas da cirurgia', a saber, os transplantes de órgãos. A edição de 22 de Dezembro, em uma matéria intitulada "Poupe partes de seu corpo", dizia:
"...Transplantes de órgãos [são] maravilhas da cirurgia moderna."
De modo semelhante, uma matéria publicada cerca de 13 anos depois, em A Sentinela de 1 de Fevereiro de 1962, pág. 96, concluía:
"Há alguma coisa na Bíblia contra se doar os olhos (após a morte) para serem transplantados numa pessoa viva? A questão de se colocar o corpo ou parte do corpo à disposição dos homens da ciência ou dos médicos, após a morte, para experiências científicas ou para transplantação em outros, não é vista com bons olhos por certos grupos religiosos. Entretanto, não parece haver nenhum princípio ou lei bíblica envolvida. É, portanto, algo que cada pessoa deve decidir por si mesma."
Tudo parecia ir bem, até que, cerca de cinco anos mais tarde, a Sociedade Torre de Vigia pareceu unir-se a 'certos grupos religiosos', publicando um estranho comentário:
"Será que há alguma objeção bíblica a que se doe o corpo para uso na pesquisa médica ou que se aceitem órgãos para transplante de tal fonte?... Aqueles que se submetem a tais operações vivem às custas da carne de outro humano. Isso é canibalesco...Jeová não deu permissão para os humanos tentarem perpetuar suas vidas por receberem canibalescamente em seus corpos a carne humana, quer mastigada quer na forma de órgãos inteiros ou partes do corpo, retirados de outros."
- A Sentinela de 1/6/1968, pág. 349,350
Aqui, os editores da revista retrocederam aos velhos tempos em que Clayton Woodworth estava à frente de A Idade de Ouro, colocando-se entre a ciência e seu público, como um inexpugnável obstáculo 'teológico' ao usufruto dos benefícios medicinais da era moderna. E não foi o caso de uma opinião isolada. Vejamos o que diz a revista 'companheira' - Despertai! - na sua edição de 8 de dezembro do mesmo ano, às págs. 21 e 22:
"Embora milhares de transplantes de córnea sejam realizados cada ano...Há aqueles, tais como as Testemunhas Cristãs de Jeová, que consideram todos os transplantes entre humanos como canibalismo..."
Mais adiante, na p. 30, o autor acrescenta:
"...as Testemunhas de Jeová se opõem em sã consciência a todos os transplantes como sendo mutilação desnecessária de seus corpos criados por Jeová, e puro canibalismo."
Tais palavras são difíceis de comentar. Além de constituírem um autêntico e inexplicável delírio fundamentalista - típico do obscurantismo medieval - revelam injustificável preconceito. Os artigos lançam mão de uma analogia absurda, afinal, que paralelo razoável pode haver entre a prática hedionda do canibalismo, em que um ser humano devora a carne de outro, e um ato de solidariedade humana, em que alguém doa, de modo altruísta, parte de seu corpo para salvar a vida de outrem, de modo que ambos - doador e receptor - continuem vivendo? Ademais, o que dizer da classificação de um procedimento cirúrgico salvador de vidas como sendo uma "mutilação desnecessária"?
Nada menos que 13 anos se passariam antes que a Sociedade Torre de Vigia, finalmente, revisse seu grave equívoco, na edição de 1 de Setembro de 1980 de A Sentinela, pág. 31:
"Deve a congregação tomar ação quando um cristão batizado aceita o transplante dum órgão humano, tal como a córnea ou um rim? No que se refere ao transplante de tecido ou osso humano para outro, é um caso de decisão conscienciosa de cada uma das Testemunhas de Jeová...É um assunto para decisão pessoal."
Pergunte-se o leitor: o que aconteceu às Testemunhas de Jeová - ou a seus filhos pequenos - quando, neste lapso de tempo (1967 - 1980), uma cirurgia de transplante foi indicada como única alternativa para salvar uma vida? Caso o adepto decidisse seguir à risca as instruções de sua 'mãe espiritual', o que aconteceria? Sabe-se de, pelo menos, um caso - nos Estados Unidos. Trata-se de uma Testemunha de Jeová de 68 anos de idade, Arvid Moody, o qual, por volta de Junho de 1978, faleceu - de acordo com depoimento de seus familiares - após recusar um transplante de rim. Quer esta morte tenha se devido diretamente ao ato dele quer não, a quem caberia responsabilizar por esta desnecessária exposição da vida ao perigo? O que teria motivado esta atitude insana? Assemelha-se isso a homicídio? As respostas não parecem difíceis...
A abstinência de carne bovina caracteriza o hinduísmo; a abstinência de carne suína caracteriza o judaísmo; a abstinência de transfusões de sangue ou derivados caracteriza as Testemunhas de Jeová. Se há, por assim dizer, uma 'marca registrada' - uma coisa pela qual as Testemunhas de Jeová sejam mundialmente conhecidas e, ao mesmo tempo, impopulares - esta tem der a sua exótica política contra o uso medicinal do sangue. Todavia, nem sempre foi assim. Na verdade, a maioria esmagadora das Testemunhas de Jeová em nossos dias não faz a mínima idéia de qual era a postura de sua 'mãe espiritual' - a Sociedade Torre de Vigia - até o início dos anos 40. A primeira menção sobre o tema foi feita ainda no século 19, porém com uma visão totalmente diferente daquela sustentada pelas testemunhas de Jeová há mais de 50 anos. Trata-se do comentário feito pelo fundador da religião - C. T. Russell - na publicação Torre de Vigia de Sião de 15 de novembro de 1892, no qual, analisando a decisão do concílio apostólico de Atos, capítulo 15, ele diz:
"[Tiago] sugeriu, mais adiante, escrever-lhes para simplesmente absterem-se das impurezas dos ídolos (versículo 29), das coisas estranguladas e do sangue - como se, por comerem tais coisas, eles estivessem se tornando pedras de tropeço para seus irmãos judeus (vide 1 Cor. 8:4-13) - e da fornicação."
Vemos aqui que o entendimento do 'pastor' Russell era semelhante ao da quase totalidade dos teólogos no que se refere a esta passagem bíblica. Cerca de quinze anos depois, em 1909, ele confirmaria este mesmo entendimento. Na página 117 de A Sentinela de 15 de Abril daquele ano, Russell esclarecia que os cristãos não viam a decisão quanto a 'abster-se de coisas sacrificadas a ídolos e de sangue' como sendo "uma lei", nem isto fazia deles "cristãos", mas servia meramente como um meio de manter a harmonia com os judeus recém-convertidos ao cristianismo. Russell morreu pensando assim. Seu sucessores trataram de mudar este entendimento, com conseqüências dramáticas até a atualidade.
A primeira interpretação desastrada do capítulos 15 de Atos e 6 de Gênesis, conforme já vimos, surgiu em 1923, com um inflamado artigo na revista A Idade de Ouro, deflagrando a campanha contra a vacinação pública, a qual duraria cerca de 30 anos. Também vimos que, por essa época, aplicava-se o entendimento dos textos bíblicos como referindo-se exclusivamente aos animais. Isto colocava a prática da vacinação na mira dos 'teólogos' da Sociedade Torre de Vigia, ao passo que passava por alto as transfusões de sangue humano. Na verdade, a organização elogiou a doação de sangue por duas vezes - uma em 1925 e outra em 1940. Veja o que diz este artigo:
“...um dos médicos na emergência
principal doou um quarto de
seu sangue para transfusão, e hoje a mulher vive e sorri
alegremente...”
- Consolação (25/12/1940), pág.
19 (em inglês)
Lamentavelmente, este entendimento do assunto duraria menos de cinco anos à frente, pois um artigo de A Sentinela de 1 de Julho de 1945, em inglês, declararia:
“...[o
uso do sangue] era para ser feito sobre o altar sagrado... e não por tomar tal
sangue diretamente dentro do corpo humano... As
transfusões de sangue [são] pagãs [e] desonram a Deus.”
Foi o começo de tudo. Após a malfadada campanha contra as vacinas, a Sociedade Torre de Vigia centrava agora seu ataque no uso medicinal do sangue - por mais de meio século. E com a mesma obstinação. Todavia, da mesma forma que no episódio das vacinas, a doutrina não tardaria a esbarrar - conforme veremos - em sérios obstáculos científicos e lógicos, produzindo uma das mais incríveis seqüências de idas e vindas, com conceitos sendo constantemente reformulados. Um breve exame histórico do desenvolvimento desta doutrina inexoravelmente permitir-nos-á contemplar o seu naufrágio na areia movediça da inconsistência e da contradição. Vejamos:
1925 - A edição de A Idade de Ouro de 29 de Julho, pág. 683, tece comentários elogiosos aos doadores habituais de sangue. Praticamente nenhuma Testemunha de Jeová hoje sabe disso.
1940 - A edição de Consolação de 25 de Dezembro classifica - conforme transcrição acima - como 'heróico' o ato de um doador de sangue que salvara a vida de uma senhora. Outro fato ignorado pelas Testemunhas de Jeová da atualidade.
1945 - A edição de A Sentinela de 1 de Julho condena - conforme transcrição acima - o uso medicinal de sangue e derivados. Ironicamente, a versão holandesa da revista Consolação, apenas dois meses mais tarde, diria:
"Deus jamais emitiu decretos proibindo o uso de medicamentos, injeções ou transfusões de sangue. Tudo não passa de invenções de pessoas que, como os fariseus, desprezam o amor e a misericórdia de Deus."
Consolação de Setembro de 1945, pág. 29 (em holandês)
Este desconcertante episódio serve para demonstrar quão súbita foi mudança doutrinal. O responsável (ou responsáveis) pela revista na Holanda talvez não estivesse a par da repentina reviravolta e simplesmente mantivesse a política anterior. Provavelmente, houve uma falha de comunicação. Em todo caso, fica óbvio que ele próprio era incapaz, mediante a leitura da Bíblia, de chegar à mesma conclusão a que a Sociedade chegara. A partir do relato, vê-se que ele teve um entendimento totalmente oposto.
1954 - A edição de 8 de Agosto de Despertai!, pág. 24 (em inglês), condena - pela primeira vez - o uso de "frações" do sangue, tais como a gamaglobulina:
“...a
proteína sanguínea ou 'fração' conhecida como gamaglobulina para uma
injeção...aqueles interessados no aspecto bíblico notarão que o fato de ser
ela obtida do sangue integral coloca-a na mesma categoria das
transfusões de sangue”
1956 - A Sociedade Torre de Vigia confirma o banimento às "frações" sanguíneas, novamente em Despertai!, edição de 8 de Setembro, pág. 20 (em inglês):
“Enquanto este médico defende o uso de certas 'frações' sanguíneas, particularmente albumina, tal uso está sob proibição bíblica."
1958 - Subitamente, a organização volta atrás e afirma que o uso de 'frações' do sangue e as transfusões não estão na mesma categoria. A Sentinela de 15 de Setembro, pág. 575 (em inglês), diz:
“Devemos
considerar a injeção de soro... e frações do sangue como a
gamaglobulina na corrente sanguínea...
como o mesmo que ingerir sangue ou tomar transfusões de sangue ou plasma? Não,
não parece necessário que os ponhamos na mesma categoria, embora o tenhamos
feito algum tempo atrás.”
Assim, a Sociedade Torre de Vigia libera, pela primeira vez, o que havia proibido. Por outro lado, um comentário na seção "Perguntas dos Leitores" de A Sentinela de 1 de Agosto deste ano, pág. 478 (em inglês), considera uma eventual aceitação de transfusão como sinal de "imaturidade", não provendo base para disciplina severa por parte da congregação.
1959 - A organização fecha gradualmente o cerco em direção a uma postura mais radical, condenando até a transfusão autóloga, ou seja, aquela em que a pessoa recebe parte de seu próprio sangue, recolhido antes da cirurgia:
“Consequentemente,
a remoção do sangue de alguém, armazenando-o e depois devolvendo-o
à mesma pessoa constituiria uma violação dos princípios bíblicos...se
o sangue for armazenado, mesmo por um breve período de tempo, isto seria
uma violação das escrituras..."
- A
Sentinela 15/10/1959, pág. 640
1961 - Sai o artigo - anteriormente mencionado - no qual a Sociedade Torre de Vigia define sangue transfundido como alimento. Para isso, recorre ao comentário do médico Jean Baptiste Denys:
"Não faz diferença que o sangue seja introduzido no corpo através das veias em vez de através da boca. Também não tem peso a alegação de alguns, de que não é o mesmo que alimentação intravenosa. O fato é que isso nutre ou sustém a vida do corpo. Em harmonia com isto, está uma declaração no livro Hemorrhage and Transfusion [Hemorragia e Transfusão], de George W. Crile, A.M., M.D., que cita uma carta de Denys, médico francês e investigador pioneiro no campo das transfusões. Diz: 'Ao realizar uma transfusão, isso nada mais é do que nutrir através de um caminho mais curto do que o normal -- ou seja, colocar nas veias sangue já feito em vez de tomar alimento que só depois de várias mudanças se transforma em sangue.'"
- A
Sentinela 15/9/1961, pág. 558
O que o artigo acima deixa de mencionar é que a declaração evocada como apoio para a doutrina do sangue foi emitida, não na década de 60, mas no século dezessete, sendo, portanto totalmente obsoleta.
Nesse mesmo ano, a edição de A Sentinela de 1 de Dezembro, pág. 736 (em português), finalmente estabelece a punição para todo aquele que persistir em aceitar uma transfusão de sangue ou doar sangue:
“...se, no futuro, ele
persistir
em aceitar transfusões de sangue ou em doar sangue...ele mostra que não
se arrependeu realmente...e deve ser cortado [da congregação]
por ser desassociado.”
Fica claro, pois, que trata-se de uma determinação organizacional. Ainda nesse ano, um artigo em A Sentinela (15/9) afirma que impulsos homicidas e suicidas são transmitidos pelo sangue. Também, neste ano, a Sociedade Torre de Vigia muda novamente sua postura com relação às 'frações' de sangue, condenando-as pela segunda vez:
“É
errado suster a vida mediante
infusões de sangue, plasma, glóbulos vermelhos ou várias frações de
sangue? Sim! ...Quer seja sangue integral quer fração do sangue, ... quer
seja administrado por transfusão ou por injeção, a lei divina se aplica...
[Deus] requer respeito pela santidade do sangue ”
- A
Sentinela 15/3/1962, pág. 174
1963 - A Sociedade Torre de Vigia continua a reiterar a proibição do uso medicinal do sangue, seja em transfusões seja em quaisquer derivados:
“...Transfusões de sangue ... são uma prática antibíblica... não apenas sangue integral, mas qualquer coisa que se derive do sangue..."
- A
Sentinela 15/7/1963, pág. 443
1964 - A organização muda novamente e considera "questão de consciência" o uso de 'frações' sanguíneas (A Sentinela de 15/11, em inglês):
“...Assim, deixamos para a consciência de cada indivíduo determinar se deve se submeter a uma inoculação com soro contendo frações de sangue com o propósito de produzir anticorpos para combater doenças..."
Aqui, as 'frações' de sangue são liberadas pela segunda vez. Também, neste ano, um artigo de A Sentinela (15/11) autoriza médicos adeptos da religião a realizarem transfusões de sangue em pacientes não-adeptos.
1965 - Durante este ano, a postura favorável ao uso das 'frações' de sangue é mantida:
“...Já que [os soros] não envolvem o uso de sangue como alimento para nutrir o corpo, algo que a Bíblia condena diretamente, seu uso é matéria para a consciência de cada um."
- Despertai!
de 22/8/1965, pág. 18
1966 - Pouco antes da proibição dos transplantes de órgãos - classificados como 'canibalismo' - a Sociedade Torre de Vigia ensaia a primeira comparação com respeito ao sangue:
“É alguém a quem repugna desobedecer a lei de Deus? Então, tomar sangue lhe é tão desprezível como o canibalismo."
- A
Sentinela
de 1/1/1967, págs. 16,17
1967 - Os pais são incentivados pela organização a não permitirem que seus filhos pequenos recebam uma transfusão de sangue:
“De modo correto, [os pais] tentam evitar que seus filhos recebam sangue de outrem em seus corpos."
- A
Sentinela de 1/12/1967, pág. 724
1972 - A Sociedade Torre de Vigia relembra a proibição das transfusões autólogas:
“A Bíblia mostra que o sangue não deve ser retirado do corpo, armazenado e posteriormente reutilizado."
- Despertai! de 8/4/1972, págs. 29,30 (em inglês)
1974 - A postura com respeito às 'frações' de sangue - tomada dez anos antes - é mantida:
“Que dizer, então do uso dum soro que contenha apenas uma fração minúscula do sangue e que seja empregado para prover uma defesa auxiliar contra uma infecção, não sendo empregado para realizar a função sustentadora da vida, normalmente desempenhada pelo sangue? Cremos que isto deve ser decidido pela consciência de cada cristão."
- A
Sentinela de 15/10/1974, pág. 640
1975 - A Sociedade Torre de Vigia - por incrível que pareça - muda novamente sua postura concernente ao uso de 'frações' do sangue, desta vez com respeito ao tratamento de pacientes hemofílicos:
“Certos fatores plasmáticos de coagulação acham-se agora em amplo uso... os que recebem tal tratamento enfrentam outro perigo mortífero... quase 40% dos 113 hemofílicos apresentaram casos de hepatite... todos receberam sangue integral, plasma ou derivados sanguíneos que continham os fatores. Naturalmente, os cristãos não utilizam este tratamento potencialmente perigoso, acatando a ordem bíblica de 'abster-se de sangue'."
- Despertai!
de 22/10/1975, pág. 29
Do artigo acima subentende-se que o uso de 'frações' (derivados) de sangue foi proibido - pela terceira vez! Esta política duraria - pelo menos oficialmente - cerca de 3 anos e não há meios de saber quantas vidas se perderam neste período por conta deste entendimento. No início dos anos 70 recomendava-se às Testemunhas de Jeová que aceitassem o uso de 'frações' de sangue apenas uma única vez. Todavia, ainda no ano de 1975 - por volta do mês de junho - a organização instruía aqueles que buscavam contato telefônico a tomarem pessoalmente a decisão de aceitar ou não o uso de fatores de coagulação. Há razões para crer que tal postura não foi publicada neste mesmo ano porque representaria uma mudança muito brusca, suscitando contestações e - quem sabe - ações judiciais. Àqueles que enviaram correspondência, a nova postura extra-oficial foi transmitida. Infelizmente, não havia como contatar de volta aqueles que apenas telefonaram. Pode-se apenas conjeturar sobre o que teria acontecido a estes pacientes até o ano de 1978, quando, finalmente, a mudança doutrinal foi anunciada.
1977 - A Sociedade reconhece que a transfusão de sangue não passa de um transplante de órgão - proibido desde 1967:
“...uma pessoa poderia rejeitar sangue simplesmente porque trata-se essencialmente de um transplante de órgão, o qual, na melhor das hipóteses, é apenas parcialmente compatível com seu próprio sangue."
- As
Testemunhas de Jeová e a Questão do Sangue, pág. 41
Três anos mais tarde, os transplantes seriam liberados. A analogia, porém, foi esquecida - as transfusões continuavam proibidas.
1978 - O Corpo Governante das Testemunhas de Jeová reverte totalmente seu entendimento de três anos atrás. Repare o leitor o que diz este artigo:
“...Que dizer se aceitarem injeções de soro para combater doenças tais como... difteria, tétano, hepatite por vírus, hidrofobia, hemofilia e incompatibilidade de RH? Isto parece cair numa zona de questões limítrofes... alguns cristãos acham que aceitar uma pequena quantidade de derivado de sangue para tal fim não é... desrespeito pela lei de Deus... adotamos atitude de que esta questão precisa ser resolvida por cada pessoa, por decisão pessoal."
- A
Sentinela de 15/10/1974, pág. 640
Não se pode concluir outra coisa, a não ser que o uso de 'frações' de sangue foi liberado - pela terceira vez! Vemos também que a Sociedade Torre de Vigia introduz um novo conceito de ' zona limítrofe' - uma área de indefinição sobre o que é certo ou errado. Todavia, não se pode deixar de notar o quanto a organização legislou enfaticamente - e por décadas - bem dentro dos limites desta zona...
1980 - A Sociedade Torre de Vigia cria as Comissões de Ligação aos Hospitais (COLIH), da qual médicos adeptos da religião são membros permanentes. O objetivo de tais comissões é fazer contato com médicos que aceitem fazer cirurgias sem sangue ou derivados e 'assessorar' as Testemunhas em sua postura contrária ao tratamento tradicional, assegurando que este não seja administrado a um paciente inconsciente, mesmo em risco de morte.
1982 - O Corpo Governante introduz, embora de maneira não explícita, a teoria dos componentes "maiores" e "menores" do sangue:
“Embora estes versículos não estejam expressos em termos médicos, as Testemunhas de Jeová consideram que proíbem a administração de transfusões de sangue total, de GV's e de plasma, bem como de GB's de plaquetas sob forma concentrada. Entretanto, o entendimento religioso das Testemunhas não proíbe de modo absoluto o uso de componentes como albumina, as imunoglobulinas e os preparados anti-hemofílicos; cabe a cada pessoa decidir individualmente se deve aceitar esses."
- Despertai!
de 22/12/1982, pág. 22
1983 - A condenação à transfusão autóloga permanece, mas a circulação sanguínea extra-corpórea é autorizada:
“...o sangue é sagrado... quando retirado do corpo de uma criatura, deve ser devolvido a Deus por derramá-lo no seu escabelo, a terra... Portanto, como poderia ser correto armazenar seu sangue (mesmo que apenas por um período relativamente curto) e depois repô-lo no seu corpo? [E se] seu sangue [fosse] canalizado através de um equipamento fora do seu corpo e então reposto imediatamente? Alguns acharam que podem permitir isso com a consciência limpa desde que o equipamento seja aprontado com líquido que não é sangue. Consideraram a aparelhagem externa como extensão de seu sistema circulatório..."
- Unidos
na Adoração do Único Deus Verdadeiro (1983), pág. 157
1984 - O transplante de medula óssea é assunto de decisão pessoal. Entretanto, o fato de a medula transplantada poder conter certa medida de sangue pode desencorajar a Testemunha de Jeová a recebê-la, mesmo diante do risco envolvido em tal decisão, a saber, a morte iminente. É o que diz A Sentinela de 15 de Novembro, págs. 31 e 32, parecendo endossar tal atitude. Também neste ano, o Corpo Governante recua de seu equívoco científico de 1971, não mais afirmando que o coração exerce qualquer papel referente às emoções e à cognição.
1985 - A edição de 15 de Agosto de A Sentinela publica, nas págs. 22 e 23, um artigo sobre a contaminação de milhares de receptores de sangue ou derivados com o vírus da AIDS e evoca este fato em apoio de sua doutrina. Entretanto, isto seria o mesmo que promover a doutrina judaica de não comer carne de porco ou a doutrina hindu de não comer carne de gado bovino sob a alegação de que ambas as medidas evitariam doenças como a teníase ("solitária") ou a cisticercose.
1988 - A revista Despertai! de 8 de Outubro, pág. 11, relatou que cerca de 12 mil americanos hemofílicos haviam sido contaminados com AIDS, sugerindo que a doutrina das Testemunhas de Jeová punha seus adeptos a salvo de tal risco. Entretanto, o artigo omitiu o fato de que, em muitos casos, a via de contaminação foi - não a transfusão de sangue integral - mas a administração de fatores de coagulação - agora permitidos pela religião. Em outras palavras, a doutrina não estava provendo proteção alguma aos hemofílicos. Além disso, matérias como essa acabam por desviar a atenção do leitor do fato de que as razões alegadas para a rejeição do sangue são exclusivamente religiosas, teológicas, e não científicas.
1989 - Mais uma vez a organização condena as transfusões autólogas. No entanto, autoriza a hemodiluição:
“...esse uso de sangue autólogo. As Testemunhas de Jeová, porém, não aceitam este procedimento. Há muito entendemos que tal sangue estocado não é mais parte da pessoa. Foi totalmente removido dela, assim, esse sangue deve ser descartado em harmonia com a lei de Deus... Em um processo diferente, sangue autólogo pode ser desviado de um paciente para um dispositivo de hemodiálise (rim artificial) ou máquina cárdio-pulmonar. O sangue flui através de um tubo para o órgão artificial... e retorna ao sistema circulatório... Alguns cristãos têm permitido isso desde que a máquina não seja preparada com sangue... Um cristão, tendo que decidir quanto a se permite que seu seja desviado por algum dispositivo externo, deve ponderar, não primariamente sobre se uma breve interrupção do fluxo poderia ocorrer, mas se ele conscienciosamente consideraria o sangue desviado como parte de seu sistema circulatório... E quanto à hemodiluição?... alguns cristãos têm aceito, outros têm recusado. Novamente, cada indivíduo deve decidir..."
- A
Sentinela de 1/3/1989, págs. 30,31
Neste mesmo ano, pareceu haver uma notável falta de comunicação dentro dos prédios da organização, pois o autor da brochura Como Pode o Sangue Salvar sua Vida?, pág. 27 (em inglês), escreveu:
“Técnicas para coleta intraoperativa ou hemodiluição que envolve armazenamento de sangue são objetáveis para eles."
Das duas uma: o autor do artigo não estava a par da postura da organização ou a Sociedade Torre de Vigia havia mudado de opinião mais uma vez. As duas opções são ruins: a primeira revelaria falta de harmonia e responsabilidade para com o bem-estar dos milhões de leitores e a segunda, falta de senso quanto ao que é certo ou errado. O que torna mais contraditório o argumento desta brochura é o fato de a própria organização reconhecer - em A Sentinela de 15/6/1985 - que, para obter os fatores de coagulação para o tratamento de um único paciente hemofílico, é necessária a contribuição de mais de 2500 doadores, cujo sangue é "estocado" e processado. No entanto, tal tratamento foi liberado aos adeptos hemofílicos desde 1974, enquanto que a mesmíssima estocagem para transfusão autóloga (ou hemodiluição) era condenada. Por que aceitar a estocagem de milhares de doadores não-adeptos, ao passo que os beneficiados não podem retribuir o gesto? Por que o uso do sangue de uns é tolerado e o de outros, condenado?
1990 - A Sociedade Torre de Vigia dá agora uma roupagem mais 'científica' à sua doutrina dos componentes "maiores" e "menores" do sangue:
“Os Componentes Principais do Sangue... Plasma: cerca de 55% do sangue. 92% dele é água; o resto é composto de proteínas complexas, tais como globulinas, fibrinogênio e albumina. Plaquetas: aproximadamente 0,17% do sangue. Glóbulos brancos: cerca de 0,1%. Glóbulos vermelhos: cerca de 45%."
- Despertai!
de 22/10/1990, pág. 4
Até hoje, não se sabe exatamente qual é a importância de tal 'tecnicismo' no tocante à doutrina cristã. Tampouco se sabe em que parte das Escrituras o Corpo Governante apoiou-se para legislar tão minuciosamente sobre o que pode ou não ser considerado "maior" ou "menor", "principal" ou "secundário" no tecido sanguíneo. Caso uma Testemunha de Jeová seja indagada sobre estas questões, dificilmente saberá onde embasá-las na Bíblia, pois nela não há uma só palavra sobre tais decretos legalistas.
Ainda em 1990, um artigo publicado em A Sentinela de 1 de Junho, na seção "Perguntas dos Leitores", autoriza o uso de 'diminutas' frações do plasma de um doador, tais como anticorpos, fator RH, fatores de coagulação para hemofílicos e albumina. Note o leitor que todos estes são parte de um componente anteriormente definido como "principal" (plasma) e, portanto, proibido. Exatamente onde a Bíblia proíbe o uso do todo, mas admite o uso de uma 'fração' do todo? É admissível a um cristão o usufruto de uma 'fração diminuta' do pecado?
Também, no artigo acima mencionado, salienta-se que a "transferência natural de algumas frações protéicas do plasma para o sistema sanguíneo de outrem [no caso, da mãe para o feto] pode ser outro fator a ser considerado quando o cristão tem de decidir se aceitará imunoglobulina, albumina ou injeções similares de frações do plasma". Mais uma vez a organização esbarrou na ciência, pois por volta desta mesma época, constatou-se que os componentes "maiores" - proibidos pela religião - também são passados, em pequenas quantidades, tanto da da mãe para o feto quanto no sentido contrário. Estaria Deus violando seu próprio decreto?
1991 - Os pais são novamente exortados a incutir repetidamente na mente dos filhos, mesmo muito pequenos, a resolução contrária ao uso de transfusões de sangue. Os jovens devem ser treinados quanto ao que dizer na presença de um juiz:
“Se você tem crianças, está certo de que elas aceitam e podem explicar a postura bíblica sobre transfusões?...Pais conscientes revisarão estas matérias com seus filhos, quer sejam muito jovens quer quase adultos. Os pais podem promover sessões práticas na qual cada jovem encara questões que poderiam ser colocadas por um juiz ou um diretor de hospital... O mais importante é que eles saibam em que acreditam e por quê."
- A
Sentinela
de 15/6/191, pág. 18
1992 - Um artigo em A Sentinela de 15 de Outubro afirma que não há necessidade de preocupações com "minúcias" sobre a forma do abate de um animal para consumo, tais como o tempo decorrido entre a morte e a sangria, se todo o sangue fora drenado, qual o vaso sanguíneo cortado, se resta muito sangue ainda na carcaça e coisas assim. Um grande contraste se considerarmos todas as 'minúcias' com que o Corpo Governante tem legislado sobre o uso de 'frações' deste ou daquele tipo, o uso único de fatores de coagulação, o sangue ter sido ou não estocado momentaneamente fora do corpo, se o fluxo sanguíneo foi ou não interrompido e outras coisas do gênero.
1994 - Sai o famoso exemplar de Despertai! repleto de fotos de jovens que morreram recusando - até o último instante - o tratamento medicinal com sangue ou derivados "maiores". Se por um lado, o artigo aparentemente buscava fazer uma propaganda favorável à postura das Testemunhas de Jeová, por outro lado, talvez tenha sido o maior equívoco editorial já lançado pelas gráficas de Brooklyn. A matéria repercutiu mal perante o público em geral e até entre algumas Testemunhas de Jeová. Ao invés de tornar a doutrina atraente - ou, pelo menos, tolerável - aos leitores, este exemplar da revista tornou-se um marco histórico indesejável na trajetória da instituição. O artigo diz:
“Em tempos passados, milhares de jovens morreram por colocarem Deus em primeiro lugar. Eles ainda o estão fazendo, só que hoje o drama se desenrola em hospitais e tribunais, com as transfusões de sangue sob discussão."
Vemos aqui , pela primeira vez, a Sociedade Torre de Vigia admitindo que literalmente milhares de pacientes jovens estavam morrendo como resultado de sua postura relativa à doutrina do sangue. Todavia, em momento algum conseguiu ela provar que o uso medicinal do sangue - recusado pelos jovens adeptos e, por seus pais - não poderia ter salvo ou prolongado as vidas de alguns deles.
Despertai! de 22/5/94 - O "tiro saiu pela culatra"... |
1995 - Um artigo em A Sentinela de 1 de Agosto menciona algumas Testemunhas de Jeová como não objetando a uma técnica chamada reinfusão sanguínea e, sobre esta questão, o artigo reporta-se à matéria publicada na edição de 1 de Março de 1989.
1996 - Em junho deste ano, três representantes da Sociedade Torre de Vigia compareceram a um fórum de bioética em uma universidade espanhola. Os profissionais médicos e os advogados presentes perguntaram: "Se um paciente Testemunha de Jeová vacilasse e aceitasse uma transfusão, seria rejeitado pela sua comunidade?"
A resposta se encontra em A Sentinela de 15 de Fevereiro de 1997, pág. 20:
“Isto iria depender da situação, porque a desobediência à lei de Deus, com certeza, é uma assunto sério a ser examinado pelos anciãos da congregação."
A resposta acima apenas confirma aquilo que já se sabia, apesar de oficialmente negado pela instituição, a saber, a doutrina do sangue é uma postura organizacional e não simplesmente um entendimento pessoal. Do contrário, a resposta, logicamente, teria de ser: "não, a pessoa não será rejeitada por seus irmãos em hipótese alguma".
1997 - O JAMA [Jornal da Associação Americana de Medicina] - edição de 5 de Fevereiro, Vol. 277, No. 5, p. 425 - menciona a "morte desnecessária de milhares de pessoas" em razão da doutrina das Testemunhas de Jeová. É de longas datas o empenho dos profissionais médicos desta entidade no sentido de expor as crendices e charlatanismos endossados pela Sociedade Torre de Vigia neste século.
Os últimos anos têm assistido a um gradual abrandamento no tom dos artigos publicados pelas Testemunhas de Jeová - especialmente no tocante a questões delicadas como a doutrina do sangue. Além disso, perante organismos internacionais, os dirigentes da organização têm se mostrado cada vez mais reticentes e ambíguos ao abordarem sua política organizacional neste e noutros pontos polêmicos. Tem-se buscado aprimorar a imagem da entidade perante o público e isto exigirá, talvez, revisões doutrinais em um futuro próximo. Há razões para crer que tais mudanças já começaram a acontecer.
Nota: o leitor poderá conhecer algumas das dezenas de vítimas da doutrina do sangue no endereço fornecido a seguir: http://www.abaweb.com/WATCHTOWERvictimsMEMORIAL/
Doutrinas Ultrapassadas - A Herança Indesejável
Tem sido - não se pode negar - para os atuais dirigentes da Sociedade Torre de Vigia, uma árdua tarefa aquela de carregar sobre os ombros o espólio doutrinal de antigas e célebres personalidades - Russell, Rutherford, Woodworth, Franz e diversos outros. Sem dúvida, eles deixaram um duro legado a seus sucessores: muitos erros a corrigir, muitas explicações a dar. Estes homens eram, em última análise, respeitadíssimos clérigos à frente da Sociedade. Um deles, Fred Franz - autor da Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas - ficou conhecido como o "oráculo" da organização. Ainda assim, ele e os demais endossaram muitos dos conceitos errôneos de seu tempo. Não haveria problema algum caso se tratasse de simples opinião pessoal expressa. Todos cometemos erros freqüentemente. O mesmo benefício deveria ser estendido a eles. Acontece, porém, que o que estes homens escreviam era recebido por milhares ou milhões de fiéis Testemunhas de Jeová no mundo inteiro - não como opiniões humanas falíveis - mas como "alimento espiritual no tempo apropriado", ensinamentos pelos quais não se dava "crédito a homem algum". De fato, desde a gestão do presidente Knorr (1942-1977), não se fornece a bibliografia dos artigos publicados e nenhum autor os assina. Todos eles são provenientes de uma mesma fonte - o "Escravo Fiel e Discreto" - ou seja, o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová, em Brooklyn-EUA. Insurgir-se contra ele é, para um adepto da religião, o mesmo que rebelar-se contra Jesus Cristo. É precisamente esta visão que confere aos equívocos publicados na literatura da Sociedade Torre de Vigia um caráter de altíssimo risco quando envolvem assuntos médicos. E é em defesa das prospectivas vítimas que se tem trazido tais riscos ao conhecimento do público.
Cientes disto, os atuais dirigentes da Sociedade trataram de fazer mudanças. Quem atualmente lê os artigos sobre a doutrina do sangue não deixa de notar o contraste entre estes e aqueles de 30 ou 40 anos atrás. Como disse a publicação Ministério do Reino de 1998, pág. 1, a organização "sabiamente reagiu à mudança dos tempos, publicando artigos que abordam as necessidades reais das pessoas."
Como sinal desta "mudança dos tempos", vejamos o que diz o último artigo sobre a questão do sangue, ao falar de terapias que envolvem o uso de partes dos componentes proibidos (glóbulos vermelhos, plaquetas e outros):
“Tais terapias não são transfusões daqueles componentes principais; usualmente envolvem partes destas frações. Devem os cristãos aceitar estas frações em tratamento médico? Não podemos dizer. A Bíblia não fornece detalhes, de modo que o cristão deve fazer sua própria decisão conscienciosa perante Deus....frações de quaisquer dos componentes primários, cada cristão, após cuidadosa meditação com orações, deve conscienciosamente decidir por si mesmo."
- A Sentinela de 15/6/2000
As palavras acima parecem anunciar ares de mudança em Brooklyn. Vejamos suas implicações dentro do contexto histórico desta malfadada doutrina:
a) Antes de 1945 a Sociedade Torre de Vigia aprovava e elogiava as transfusões de sangue.
b) Em 1945 a Sociedade condenou o uso medicinal de sangue.
c) Nos mais de 50 anos que se seguiriam, ela proibiu e liberou três vezes o uso de 'frações' do sangue - atualmente chamadas de componentes "menores".
d) Em 1989 ela dividiu o sangue em componentes "maiores" e "menores". Os maiores eram proibidos, os "menores", permitidos.
e) Com o novo artigo, não apenas os componentes "menores", mas também "frações" dos "maiores" são agora admitidos.
Paralelamente a esta última mudança, declarações públicas de representantes das Testemunhas de Jeová têm deixado cada vez mais obscura a postura oficial da organização. Por exemplo, em 2 de Março de 1998, a Sociedade Torre de Vigia estabeleceu um pacto com o governo da Bulgária, buscando registrar-se naquele país. Um trecho do documento reza:
"Com respeito à recusa de transfusões de sangue, a associação requerente esclarece que não há quaisquer sanções religiosas para uma Testemunha de Jeová que decide aceitar uma transfusão de sangue e que, deste modo, o fato de que a doutrina religiosa das Testemunhas de Jeová é contra transfusões de sangue não contribui como ameaça à saúde pública."
(Para mais detalhes, consulte o seguinte endereço: http://www.geocities.com/osarsif/bulgaria1.htm)
A edição de 17 de Dezembro de 1999 do jornal português "Público" divulgou um estranho comentário do advogado da Sociedade em Portugal :
"No limite, a liberdade de receber sangue é uma opção da Testemunha. Ela pode consentir em recebê-lo sem sofrer qualquer tipo de recriminação..."
O panorama acima revela um nítido contraste com a postura histórica das Testemunhas de Jeová. Lamentavelmente, a maioria dos adeptos continua soterrada sob o entulho da desinformação. Nenhuma das duas declarações é oficialmente assumida pela Sociedade Torre de Vigia ou noticiada em suas publicações. Cautelosa, talvez a organização busque gradualmente preparar seu rebanho para mudanças ou, pelo menos 'maquiar-se' perante a opinião pública. Seja como for - a exemplo da proibição das vacinas, da campanha contra o alumínio e da proibição dos transplantes de órgãos - a doutrina do sangue continua a ser um peso cada dia mais difícil de carregar, seja à luz da teologia seja à luz da ciência. Cambaleia por mais de meio século e teima em não cair, talvez pelo fato de que um abandono súbito desta doutrina poderá resultar em algo mais temível do que o descrédito mundial ou a perda de membros - uma avalanche de processos judiciais por indução ao homicídio. Para a organização, melhor seria se jamais tivessem existido tais ensinamentos, pois permanecem até hoje como testemunhas silenciosas da pungente falibilidade do assim chamado "Escravo Fiel e Discreto" - o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová. Quão mais fácil teriam sido as coisas se os líderes delas, desde o início, tivessem humildemente reconhecido - como eles próprios dizem - que a "Bíblia não fornece detalhes" que justifiquem doutrinas fundamentalistas ao preço de milhares de vidas humanas! Quão tardia é esta percepção!
Dissidência - "Sinal dos tempos"?
A Sociedade Torre de Vigia tem, nos últimos tempos, demonstrado uma enorme apreensão com respeito aquilo que classifica como "apostasia" - o 'desvio da fé'. A figura do "apóstata" moderno (ou dissidente) está para as Testemunhas de Jeová assim como o "herege" estava para a Santa Inquisição da Idade Média. Em tempos passados, dezenas de milhares foram expurgados da organização a cada ano por conduta moralmente objetável. Todavia, o perfil daqueles que deixam a religião parece estar mudando. Ao invés de sucumbirem à lascívia - igualmente condenada pelas demais igrejas cristãs - muitas Testemunhas de Jeová têm se permitido um outro tipo de transgressão, o questionamento dos ensinos da cúpula, delito considerado mais grave ainda, sendo passível de punição com a desassociação ("excomunhão") do réu - automaticamente rotulado, nesta circunstância, como apóstata. Neste respeito, a questão do sangue tem se mostrado um ponto de discórdia. Se, por um lado, aumenta o número daqueles que lançam dúvidas sobre o entendimento das palavras "abster-se de sangue", por outro, parece cada vez menor a disposição do Corpo Governante de comprometer ainda mais a sua imagem pública com uma defesa intransigente desta doutrina. O estado dela mais lembra, a esta altura da história, o de uma velha 'colcha de retalhos', onde não se distingue mais o que é remendo ou tecido original, trazendo-nos à mente a parábola de Jesus Cristo, na qual ele falou: "Não se põem remendos novos em roupa velha, pois ela certamente se rasgará" (Lucas 5: 36). Estas palavras parecem bastante apropriadas.
Em fevereiro de 1997, um fato inusitado: entrou no ar um site (em inglês) denominado AJWRB - Associação das Testemunhas de Jeová Pela Reforma na Doutrina do Sangue - composto de membros da própria religião insatisfeitos com a manutenção deste 'tabu' de mais de meio século. A ameaça de expurgo, obviamente, impõe o anonimato aos queixosos. É, porém, pouco provável que a liderança da Sociedade Torre de Vigia ceda as rédeas da organização aos que reclamam mudanças, afinal, o conselho mundial das Testemunhas de Jeová, em Brooklyn, reservou para si - e apenas para si - a prerrogativa de introduzir mudanças doutrinais. Significativamente, a dissidência continua a brotar no seio da comunidade em paralelo ao avanço da rede mundial de computadores. A razão parece lógica: a internet disponibiliza às pessoas informações relevantes que jaziam sob o manto da omissão e do esquecimento, e que provavelmente assim continuariam se não fosse pelo advento das home pages. Não foi simples coincidência, pois, o lançamento de uma matéria em A Sentinela de 1 de Maio de 2000, na qual a Sociedade adverte seus membros quanto aos 'perigos' da internet. Com efeito, Testemunhas de Jeová sinceras têm se sentido aflitas em suas consciências ao tomarem conhecimento de fatos só agora trazidos à luz por meio desse instrumento. Muitas entendem que não foi de todo honesto por parte da instituição ter mantido os episódios da proibição de vacinas e de transplantes de órgãos - bem como diversos outros - fora da vista de seus adeptos recentes. Se o conhecimento de tais fatos influiria ou não em sua decisão de se tornarem membros da religião, certamente cabia a cada um decidir. Quantos continuariam dispostos a ingressar nas fileiras das Testemunhas de Jeová após estarem cientes de todas essas coisas? Quantos ainda creriam na bênção de Cristo sobre a Sociedade Torre de Vigia?
(Conheça o site da AJWRB no seguinte endereço: http://www.ajwrb.org/)
O que acabamos de examinar ao longo deste artigo permite-nos formar um quadro geral da mentalidade reinante entre os líderes das Testemunhas de Jeová, desde o primórdios de sua instituição até menos de uma década atrás, ao lidarem com assuntos científicos - um cenário que se divide entre o fantástico e o ridículo, levando-nos a questionar, não só a racionalidade, mas até a sanidade destas pessoas. Uma gritante falta de modéstia ao abordar assuntos com os quais não se tem familiaridade. Um conjunto de crenças onde o nonsense é uma constante. Uma ignorância patente sobre os princípios científicos mais elementares, bem como aventuras fantasiosas que mais fazem lembrar aquelas retratadas pelo grande escritor Júlio Verne, em sua obra 20.000 Léguas Submarinas, só que com uma grande diferença: ao contrário daquelas feitas por Clayton Woodworth, as previsões futurísticas de Verne cumpriram-se.
Certamente algo bem melhor que isto seria de se esperar de um genuíno instrumento do 'Rei dos reis e Senhor dos Senhores' - Jesus Cristo - por ele dirigido e destinado a proteger a fé, a saúde e a vida de seus servos fiéis. O público ao qual a literatura das Testemunhas de Jeová se destinava, sem dúvida, merecia maior prudência e bom senso por parte dos escritores de A Idade de Ouro, Consolação, Despertai! e A Sentinela.
Pergunte-se o leitor: gostaria de ter tido sua saúde e a de seus filhos aos cuidados dos escritores da Sociedade Torre de Vigia???
Levantamos uma última questão: o que pode ter acontecido a muitos dentre as milhares de Testemunhas de Jeová que recusaram a vacinação - entre 1923 e 1952 - os transplantes de órgãos - entre 1967 e 1980 - e as transfusões de sangue e derivados, de 1945 até hoje?
A resposta não parece difícil...
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